Valor econômico, v.20, n.4804, 31/07/2019. Especial, p. A16

 

Parceria com UE pode travar livre-comércio com os Estados Unidos, afirma Wilbur Ross 

Hugo Passarelli 

31/07/2019

 

 

O secretário de Comércio americano, Wilbur Ross, alertou ontem para o risco de as negociações entre Mercosul e União Europeia atrapalharem a tentativa de estabelecer um livre-comércio entre o Brasil e os EUA.

"É importante que nada naquele acordo seja contraditório a um acordo de livre-comércio com os EUA", disse Ross reiteradas vezes, destacando que os negociadores brasileiros devem prestar atenção para a inclusão de possíveis "poison pills" a serem acordadas com os europeus.

Segundo Ross, há hoje uma série de discordâncias entre americanos e europeus em questões relacionadas a agricultura, setor automotivo, produtos farmacêuticos e critérios sanitários e fitossanitários, entre outras.

Embora considere positivo o estreitamento de laços entre Brasil e os EUA, ele ponderou que há um longo caminho até que os dois países cheguem a um acordo de livre-comércio e evitou colocar um prazo para que as negociações sejam concluídas.

A iniciativa é defendida pelo Amcham (Câmara Americana de Comércio), que trouxe Ross como parte de suas comemorações de cem anos. Em visita ao Brasil, o secretário americano ainda terá hoje encontros com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

A entidade apresentou a Ross um conjunto de dez propostas para acelerar a aproximação entre os dois países, ainda concentrada no campo político devido ao alinhamento do Bolsonaro ao presidente dos EUA, Donald Trump. "Depois do encontro em março entre os dois presidentes, é o momento de ir adiante e traduzir essa aproximação política em medidas mais pragmáticas."

A principal medida proposta pela Amcham a Ross busca instaurar um acordo de livre-comércio entre os países, que seria adotado gradualmente por negociações em temas não tarifários e de menor complexidade. "Tal abordagem permitiria resultados mais céleres, ao mesmo tempo em que prepararia o terreno para avançar em direção ao livre-comércio", destaca o documento.

Questionado sobre a indicação de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, para chefiar a embaixada brasileira em Washington, Ross limitou-se a dizer essa decisão caberia ao governo brasileiro e que os EUA não fariam qualquer objeção a ela.

O secretário americano ainda considerou que, neste momento, a aproximação comercial dos EUA será apenas com o Brasil, e não com os demais países do Mercosul. "O Mercosul está muito ocupado com seu acordo com a UE, seria muito complicado fazer as duas negociações simultaneamente", considerou.

Ross afirmou ainda que é de interesse dos EUA buscar acordo com o Brasil agora que reformas em pontos estruturais da economia, como a Previdência, estão avançando. "O presidente Trump tem um grande compromisso com a entrada do Brasil na OCDE por causa das reformas que têm sido feitas", afirmou.

Em março, o apoio americano à entrada do Brasil na OCDE foi anunciado pelo governo como o principal ganho do encontro entre Bolsonaro e Trump realizado em Washington. A Amcham pede a continuidade desse apoio.

Um eventual acordo para eliminar a dupla tributação de lucros, dividendos e royalties entre os países, outro pedido da Amcham, viria em um segundo momento, apenas após a aprovação de uma reforma no regime tributário do Brasil, afirmou Ross.

O tema foi considerado o segundo ponto mais importante entre as dez medidas em pesquisa realizada pela Amcham com seus associados, afirma Deborah Vieitas, CEO da entidade.

A entidade ainda defende incentivos para aumentar o fluxo de investimentos diretos e a redução da burocracia, custos e prazos no comércio bilateral.

Também estão na lista de demandas a participação do Brasil no Global Entry, programa que facilitaria a movimentação de empresários entre os países, e o reconhecimento pelos americanos dos avanços do Brasil na defesa da propriedade intelectual.