O Estado de São Paulo, n. 45804, 15/03/2019. Metrópole, p. A19

 

MP apura envolvimento de fóruns de ódio na internet em atentado em escola

Bruno Capelas

Marco Antônio Carvalho

Paulo Roberto Netto

15/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

MASSACRE EM SUZANO / Grupo de Combate ao Crime Organizado foi destacado para atuar na investigação do ataque, que deixou 10 mortos. Nas profundezas da web, esses endereços se alimentam com tragédia e incitam violência. Líder foi condenado e há suspeita de ‘terrorismo doméstico'

Enterro. ‘Faremos uma investigação ampla para saber se há uma rede de comunicação entre eles (atiradores e internautas)’, diz procurador-geral de SP

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, foi escalado pelo procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, para atuar nas investigações do ataque de dois atiradores na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, que terminou com dez mortos e 11 feridos anteontem. A escolha de promotores especializados para o caso é explicada pela suspeita de que um grupo criminoso pode ter atuado com a dupla, diz Smanio, e colaborado com “crimes relacionados a terrorismo doméstico”. Um fórum que espalha ódio e se esconde nas profundezas da internet deve ser alvo da apuração.

“Faremos uma investigação ampla em todas as linhas para saber como eles (os atiradores) tiveram acesso às armas, se há um grupo que atua com eles, se há uma rede de comunicação entre eles, as motivações e a forma do crime”, afirmou Smanio. “Não descartamos nada. Se tiver outras pessoas envolvidas, vamos alcançá-las.”

O Ministério Público vai atuar com o núcleo de investigações cibernéticas do Gaeco para averiguar os contatos mantidos pela internet por Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, e pelo adolescente G.T.M., de 17 anos, responsáveis pelo ataque. Entre os vários elementos semelhantes do ataque na escola em Realengo, em 2011, com o de Suzano, um deles parece puxar um fio de conexão mais robusto.

Os criminosos dos diferentes casos foram exaltados como heróis em fóruns da chamada dark web. Trata-se de uma parte da internet que conta com um sistema de acesso específico que busca dificultar a identificação e os rastros dos seus usuários por meio de ferramentas como criptografia e embaralhamento de IPs, espécie de “CEP” do usuário na rede .

Agora, a polícia e o MP investigam se o fórum fez mais do que aplaudir a tragédia na escola paulista, assim como já tinha feito no caso fluminense. Eles apuram se foi nesse canal que os atiradores do caso mais recente conseguiram informações importantes para concretizar o plano, como onde conseguir a arma, e onde teriam sido incentivados a praticar o massacre.

Os fóruns, que contam com um acesso intricado para leigos, são conhecido como “chans”, referência a channels (canais) e remetem ao início da década passada, quando se popularizaram no Japão. No Brasil, há ao menos dez anos os canais servem para distribuição de pornografia infantil, propagação de declarações racistas, homofóbicas e misóginas, além de crimes de outras naturezas, chegando até a ameaças terroristas.

Seus usuários assumem uma linguagem própria e tentam afastar os novatos, sobre quem dirigem bullying. Quem resiste vai crescendo no respeito dos integrantes e ganhando destaque. Os chans geralmente reúnem adolescentes e homens jovens que se dedicam a disputar importância entre os pares a partir da gravidade do crime cometido.

Expoente. O brasiliense Marcelo Valle Silveira de Mello, o Psy, de 33 anos, é considerado um expoente dos crimes cometidos e divulgados pelos chans. Ele seria o criador do Dogolachan, fórum onde o crime cometido em Suzano foi comemorado.

O atual administrador, que se autoidentifica como DPR, celebrou o massacre e disse que o fórum teve papel na sua preparação. DPR assumiu a administração do ambiente depois de Mello ter sido preso em maio de 2018 na Operação Bravata, da Polícia Federal no Paraná. Em dezembro, ele foi condenado a 41 anos de prisão por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes e terrorismo.

A punição severa para Mello ocorre após ele ter sido alvo de outra operação da PF, em 2012, denominada Operação Intolerância. A PF atuou após quase 70 mil denúncias sobre o conteúdo de um site coordenado pelo criminoso. “As mensagens faziam apologia à violência, sobretudo contra mulheres, negros, homossexuais, nordestinos e judeus, além da incitação do abuso sexual de menores. Os criminosos também apoiaram o massacre de crianças praticado por um atirador em uma escola na cidade do Rio de Janeiro em 2011”, divulgou em nota a polícia naquela oportunidade.

Após a investigação de 2012, Mello voltou a ser solto e, segundo o Ministério Público Federal (MPF), retornou de imediato à atuação criminosa. Agora, ele permanece preso enquanto recorre da condenação. Em janeiro, o Ministério da Justiça afirmou que Mello foi um dos responsáveis por dirigir ameaças ao ex-deputado federal Jean Willys (PSOL).

Ambiente criminoso

“Ambientes criados por Marcelo reuniam pessoas que praticavam crimes como pedofilia e incitação a crimes como homicídio.”

DENÚNCIA DO MPF NA OPERAÇÃO BRAVATA DA POLÍCIA FEDERAL

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Polícia pede apreensão de terceiro envolvido no crime

15/03/2019

 

 

Medida está sendo avaliada pela Justiça. Delegado diz que dupla se inspirou em Columbine e buscava repercussão

A Polícia Civil pediu ontem à Justiça a apreensão de um adolescente suspeito de ser o terceiro envolvido no ataque à Escola Estadual Raul Brasil. O adolescente de 17 anos também é ex-aluno da escola e estudou na mesma classe de G.T.M., jovem da mesma idade que, segundo a polícia, liderou o ataque.

A participação do novo suspeito teria ocorrido na fase de preparação, mas os investigadores não detalharam de que forma especificamente ele teria contribuído para o crime. Mesmo assim, a polícia já recolheu seu depoimento na delegacia.

De acordo com o delegado-geral da Polícia Civil, Ruy Ferraz Fontes, o crime estava sendo planejado ao menos desde o mês de novembro passado e as conversas entre os comparsas ocorriam principalmente de forma presencial, uma vez que moravam perto um do outro.

Os vizinhos estavam acostumados a ver Luiz Henrique de Castro e o amigo juntos. Todos os dias, por volta das 17 horas, sentavam na frente de uma das casas e conversavam por horas.

A polícia ainda realiza perícia nos equipamentos apreendidos para apurar a suspeita de que fóruns da deep web incitaram a tragédia. “Eles não se sentiam reconhecidos na comunidade que faziam parte e queriam agir como em Columbine, com crueldade. Este era o principal objetivo: a repercussão”, disse Fontes.

O Estado mostrou ontem que os amigos costumavam ir de três a quatro vezes por semana a uma lan house a cinco quadras de suas casas. Ali jogavam os games Call of Duty, Counter Strike e Mortal Kombat. “Se restringiam a dizer boa noite e obrigado”, contou a funcionária Nadia Cordeiro, de 23 anos.

Compras pela internet. O delegado Fontes detalhou que a besta, o arco e flecha, o machado e as roupas táticas foram adquiridos pelo site Mercado Livre, plataforma que permite vendas diretas entre comerciantes e consumidores. Ele esclareceu também que G.T.M. deixou de trabalhar na loja do tio depois de ter praticado pequenos furtos. Jorge Antônio de Moraes foi a primeira vítima do ataque, no interior da sua loja, localizada a cerca de 500 metros da escola.

Os investigadores acreditam que G.T.M, apesar de ser mais novo que Luiz, foi quem comandou a execução do ataque. “A personalidade dele (Luiz) não era tão firme a ponto de impedir ou deixar de ingressar na execução de um crime desses”, acrescentou.

Imagens de câmeras de segurança da escola mostram que é G.T.M. quem primeiro entra no local e, armado com um revólver, inicia o ataque. Luiz aparece segundos depois e ataca as pessoas com socos e usa um machado para causar ferimentos.