Valor econômico, v.20, n.4804, 31/07/2019. Legislação & Tributos, p. E2

 

Tecnologia e o Acordo Mercosul-UE

Octávio Giacobbo Rosa 

Renato Vieira Caovilla 

31/07/2019

 

 

O acordo internacional de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, anunciado recentemente vem sendo festejado por diversos setores da sociedade brasileira como extremamente benéfico à nossa economia. Afinal, com a supressão de tarifas aduaneiras, produtos e serviços nacionais ganharão maior espaço na economia mundial, enquanto sociedade e empresas brasileiras serão beneficiadas e terão acesso ampliado a bens de consumo e capital de maior sofisticação tecnológica.

Não parece haver momento mais conveniente, portanto, para discutirmos a necessidade da manutenção da Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide), com alíquota de 10%, incidente sobre as remessas feitas por empresas brasileiras ao exterior, como pagamento pela licença de uso ou aquisição de conhecimento tecnológico. A contribuição também é exigida sobre contratação de serviços técnicos e de assistência administrativa, assim como royalties de qualquer natureza pagos a empresas domiciliadas no exterior.

Instituído pela Lei Federal nº 10.168, em 2000, o tributo foi criado com o objetivo de financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, voltado à aceleração do desenvolvimento tecnológico nacional.

Pela proposta do governo, a arrecadação tributária seria destinada ao fomento da pesquisa científica e tecnológica entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo. Além de representar uma fonte de custeio direto para a alocação dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), a exigência seria uma forma inibir a contratação de componentes estrangeiros e, com isso, aumentar a demanda por tecnologia produzida no mercado interno.

Porém, transcorridas quase duas décadas desde a vigência da lei, já é tempo de questionar a eficiência da Cide como instrumento de política pública.

Há poucos dias, jornais de grande circulação noticiaram o distanciamento do Brasil da chamada "fronteira tecnológica", que retrata a taxa média de investimento em P&D aplicada pelos estados-membros da OCDE. A base utilizada foi estudo acadêmico desenvolvido pelo pesquisador Paulo Morceiro (USP), que, dentre outros tópicos, traça um paralelo entre o processo de desindustrialização do Brasil e o nível de investimento em P&D distribuídos nos principais segmentos econômicos no país. No Brasil, o percentual do PIB aplicado em P&D é significativamente menor à taxa média dos países da OCDE.

Em suma, os resultados da pesquisa evidenciam a elevada dependência de componentes tecnológicos estrangeiros, nos mais diversos setores produtivos nacionais. Dentre as diversas conclusões alcançadas pelo pesquisador, chamou atenção o nexo de causalidade entre: (i) a tímida capacidade de produção de inovações tecnológicas no Brasil, (ii) a necessidade permanente da importação de bens e serviços estrangeiros e (iii) a gradual perda de competitividade da indústria nacional, comparativamente aos países integrantes da OCDE, que apresentam percentuais maiores de investimento do PIB em P&D, principalmente no setor privado.

Parece estar comprovado que o incentivo à inovação e investimentos em P&D no Brasil não passa pela imposição de políticas que restrinjam ou penalizem a aquisição de tecnologia estrangeira. A permanente dependência tecnológica das economias modernas e a irrisória demanda por tecnologia brasileira no mercado externo permitem concluir que a Cide vem servindo apenas como fonte de geração de receita primária, às expensas do setor produtivo, sem atingir a finalidade pela qual restou instituída.

Na verdade, esse tipo de cobrança inibe o poder de investimento dos empresários nacionais, já que os conhecimentos tecnológicos importados vêm se mostrando necessários para a produção industrial no Brasil. Medidas dessa natureza contribuem para o isolamento do nosso setor produtivo em relação ao que há de mais desenvolvido no mundo. É preciso lembrar que a procura por serviços e bens de capital fora do Brasil, com maior sofisticação tecnológica, é um movimento racional decorrente da escassez de soluções equivalentes no mercado interno. Portanto, quanto mais obstruído o acesso a tais recursos, menos competitiva será nossa produção interna.

Não se pode esquecer, que recursos tecnológicos avançados servem como matéria-prima para atividade de pesquisa e desenvolvimento. A produção de novas tecnologias também envolve o aprimoramento de processos pré-existentes, o que reforça a importância da cooperação tecnológica entre as nações.

Feitas essas reflexões, parece haver motivos suficientes para sustentar eliminação desse tributo do sistema tributário nacional. Em verdade, o pagamento da Cide é mais um fator de inibição aos investimentos e empreendedorismo no Brasil. Na prática, essa intervenção no ambiente de negócios gera um efeito contrário ao próprio objetivo da medida.

A temática de tributação de bens e serviços adquiridos no exterior ocupará espaço na pauta política muito em breve, para internalização do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Para que o sistema tributário nacional esteja cada vez mais alinhado ao ideário de liberdade e desenvolvimento econômico, espera-se que sejam adotadas iniciativas para revogação da Cide.