Valor econômico, v.20, n.4804, 31/07/2019. Especial, p. F2

 

Acesso de indústrias deve demorar 2 anos 

Roberto Rockmann

31/07/2019

 

 

Nos últimos dias, uma série de anúncios do governo federal apontou para a desverticalização do setor de gás natural e indicou a queda do preço do insumo em cerca de 40%. O caminho para destravar o mercado livre, porém, é longo. Desde a edição da Lei do Gás, em 2009, apenas dois consumidores são livres (duas térmicas no Rio de Janeiro, que consomem mais de 3 milhões de m3 mensais). Especialistas consultados pelo Valor estimam que o ingresso do primeiro consumidor industrial livre poderá demorar até 24 meses e depende da resolução de aspectos regulatórios e de eventual judicialização de processos pelas distribuidoras.

A princípio, algumas térmicas próximas a áreas de exploração do pré-sal também devem ganhar espaço no mercado livre, principalmente no Rio de Janeiro, que implementa uma legislação que permite ao consumidor investir na ligação física direta do gasoduto até seu projeto, sem participação da distribuidora.

O movimento de ingresso deverá se concentrar em São Paulo e Rio de Janeiro, os dois principais mercados de gás do país, que indicam que o consumo médio mensal para se tornar livre será de 300 mil m3 diários. Esse volume abrangeria um universo de cerca de 300 empresas nos dois Estados, segundo estimativas do mercado.

O Termo de Cessação de Compromisso (TCC) assinado pela Petrobras com o Conselho Administrativo de Defesa Economica (Cade) estipula que a estatal terá de se desfazer de suas participações no carregamento, distribuição, transporte e no Gasoduto Brasil Bolívia (Gasbol). O desinvestimento deve ser concluído até 31 de dezembro de 2021.

"Estimo que em 24 meses possamos ver um consumidor livre industrial, mas isso dependerá de como se dará essa transição. Nesse momento discute-se quem vai viver ou morrer no setor de gás natural", afirma o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro, Lucien Belmonte.

Onze indústrias vidreiras em São Paulo e três no Rio de Janeiro poderiam se tornar livres, tendo consumo acima de 300 mil m3 mensais, mas persistem dúvidas. Uma delas se refere ao preço do carregamento de gás. "Não há ainda transparência sobre esse ponto", diz Belmonte.

O setor está de olho na chamada pública da TBG, que transporta o gás da Bolívia para o Brasil. O contrato da TBG é de 18 milhões de m3 por dia, cerca de 7% do volume contratado no mercado, estimado em 260 milhões de m3 diários. "Essa é uma oportunidade, a Argentina descobriu grandes reservas, então esse gás da Bolívia terá o Brasil como foco", diz.

Para o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos, a migração do primeiro consumidor livre industrial poderá ocorrer em 18 meses, a depender da resolução dos entraves regulatórios ainda pendentes. "Poderemos nesse início ver uma migração de parte da produção de uma empresa para o mercado livre, de uma indústria que esteja com um projeto de expansão", aponta o executivo. No médio prazo, com a expansão da produção do pré-sal o mercado livre deverá ser bastante ampliado.

Do óleo extraído nos campos, deverá vir gás associado, o que pode dobrar a produção do insumo para 250 milhões de m3 diários em 2030. Associado ao petróleo, o gás deverá ganhar espaço no consumo industrial e do setor elétrico.

O insumo representa menos de 10% da receita de uma petroleira, mas abre oportunidades. O desafio será fazer com que o gás e o mercado livre se expandam além da estratégia atual em que se privilegiam projetos de usinas térmicas a gás natural próximas das áreas de exploração do pré-sal, que coincide com a região de maior consumo de energia elétrica no país.