O Estado de São Paulo, n. 45803, 14/03/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro se queixa e fala em trocar embaixadores

Julia Lindner

Tânia Monteiro

14/03/2019

 

 

Itamaraty. Presidente afirma que é preciso ter diplomatas afinados com o governo e que combatam imagem de ‘racista e homofóbico’ no exterior; mudanças incluem 15 representações

Encontro. Jair Bolsonaro durante café da manhã com jornalistas, que teve também a presença do vice Hamilton Mourão

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que pretende trocar cerca de 15 representações diplomáticas do Brasil pelo mundo. Segundo ele, as trocas serão feitas em postos-chave, incluindo as embaixadas nos Estados Unidos e na França, e têm como objetivo “melhorar sua imagem no exterior”.

Em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, Bolsonaro se queixou do trabalho dos atuais diplomatas. Disse que é apresentado lá fora com uma imagem pessoal muito ruim e que os embaixadores têm como tarefa não só promover o Brasil no exterior, mas também “não apresentar o governo e o presidente como se fosse racista e homofóbico”.

Foi a segunda vez que o presidente organizou este tipo de encontro com jornalistas. Como da primeira, o Estado não foi convidado para a conversa de ontem.

Entre os escolhidos para “defender” o governo Bolsonaro no exterior está o diplomata Luiz Fernando Serra, que trocará a embaixada de Seul pelo posto de Paris. Ele conheceu Bolsonaro durante viagem do então pré-candidato ao Planalto à Ásia, em 2018, e chegou a ser considerado como opção para comandar o Itamaraty.

A representação na capital francesa está nas mãos de Paulo Oliveira Campos, que foi chefe do cerimonial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante anos. “POC”, como o diplomata era chamado por Lula, será responsável agora pelo consulado brasileiro em São Francisco, um posto menor na visão de diplomatas.

O governo também prestigiará Ronaldo Costa Filho, que deixará o comando da Subsecretaria de Assuntos Econômicos do Itamaraty para assumir o lugar de Mauro Vieira em Nova York.

Estados Unidos. A maior expectativa é em relação ao comando da embaixada brasileira em Washington, considerado posto de mais destaque do País no exterior. Em conversa recente, o chanceler Ernesto Araújo acertou com o embaixador Sérgio Amaral que ele ficará no posto até a visita de Bolsonaro à Casa Branca, na semana que vem.

Na visita a Washington – primeira de caráter bilateral realizada pelo presidente brasileiro ao exterior –, Bolsonaro será recebido na Casa Branca pelo colega americano Donald Trump.

Ainda não há um nome definido para substituir Amaral. Conforme publicou anteontem a Coluna do Estadão, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, apoia o nome do cientista político Murillo de Aragão. A ideia, porém, enfrenta resistências dentro e fora do governo.

Ontem, em sua conta no Twitter, o escritor Olavo de Carvalho ligou o nome de Aragão ao de Lula. “Colocar petistas em tudo quanto é cargo, sob o pretexto de qualificações técnicas apolíticas, é fazer o povo de trouxa”, escreveu o “guru” bolsonarista. O próprio Olavo, em vídeo divulgado em novembro, disse que aceitaria o posto de embaixador nos EUA caso fosse convidado.

‘Caça’. Na lista dos nomes que serão trocados estão diplomatas associados aos governos do PT que atualmente ocupam representações em Nova York, Paris, Lisboa e Roma. Eles serão realocados em postos menos influentes nos Estados Unidos e na Europa.

As trocas, porém, devem ocorrer sem uma “caça às bruxas”. Os embaixadores que foram ministros de Relações Exteriores do governo Dilma Rousseff vão continuar no chamado “circuito Elizabeth Arden” – jargão dos diplomatas para se referir ao conjunto de representações mais cobiçadas.

O ex-chanceler Antonio Patriota, que estava na capital italiana, vai assumir agora o posto de embaixador na Corte de Haia, nos Países Baixos. Outro ex-ministro que perderá o cargo será Mauro Vieira, que estava na representação brasileira junto às Nações Unidas, em Nova York, e agora chefiará a Embaixada de Atenas. Já Luiz Alberto Figueiredo, que chefiou o Itamaraty entre 2013 e 2014, trocará Lisboa por Copenhague.

As trocas em embaixadas, no entanto, não devem afetar diplomatas que ascenderam no governo de Michel Temer. Sergio Danese permanece em Buenos Aires, assim como Pompeu Andreucci Neto fica em Madri, Cláudio Frederico de Matos Arruda, em Londres, e Eduardo Santos, no consulado de Milão.

Na avaliação da cúpula do Itamaraty, não faria sentido substituir nomeados em 2018, que ainda passam por um período de adaptação nos postos.

MUDANÇAS

● Ronaldo Costa Filho

Subsecretário de Assuntos Econômicos deve assumir embaixada da ONU, em Nova York.

● Luiz Fernando Serra

O atual embaixador do Brasil em Seul deve assumir a embaixada em Paris.

● Paulo Oliveira Campos

Ex-chefe de cerimonial no governo Lula, atual embaixador em Paris deve assumir consulado em São Francisco, nos EUA.

● Luiz Alberto Figueiredo

Ex-ministro de Dilma, atual embaixador em Lisboa deve ser transferido para Copenhague.

● Antonio Patriota

Também ministro do governo Dilma, deve deixar embaixada em Roma para assumir posto de embaixador na Corte de Haia.

● Mauro Vieira

Ex-ministro de Dilma, atual representante brasileiro na ONU deve assumir embaixada em Atenas.

● Sergio Amaral

Ex-ministro de FHC, atual embaixador em Washington deve ser substituído após viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos.

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Presidente diz ter 'poder de veto' em nomeações

14/03/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que, apesar de ter dado carta branca aos seus ministros para nomeações, tem “poder de veto” em determinados casos. O comentário foi feito em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto.

Bolsonaro falou em “poder de veto” ao justificar o pedido feito ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, para que não nomeasse a cientista política e especialista em segurança pública Ilona Szabó. Segundo o presidente, ela defende posicionamentos “incompatíveis com o governo”, como a legalização do aborto. Em fevereiro, Ilona foi “desconvidada” por Moro para assumir o posto de suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Aborto. Bolsonaro disse ainda que o principal problema no caso de Ilona foram suas posições em relação a temas que poderiam gerar problemas para ele com a base aliada. Na época, houve grande repercussão nas redes sociais contrária à nomeação.

Para o presidente, o fato de a cientista política defender a legalização do aborto, por exemplo, poderia criar “ruído” no Legislativo. Bolsonaro afirmou que teve uma conversa “tranquila” com Moro sobre o assunto e ele compreendeu a questão.

Em entrevista ao Estado após a “demissão”, Ilona disse que Moro lamentou, mas estava sendo pressionado, “porque o presidente Bolsonaro não sustentava a escolha na base dele”.

O vice-presidente, general Hamilton Mourão, também criticou o recuo e disse que o Brasil perdia. “Perde o Brasil todas as vezes que você não pode sentar numa mesa com gente que diverge de você”, afirmou o general na ocasião.