Valor econômico, v.20, n.4193, 16/07/2019. Brasil, p. A2

 

Plano para que universidades federais captem recursos terá 'marca' de Weintraub

Fabio Graner 

Estevão Taiar 

Hugo Passarelli 

16/07/2019

 

 

O Future-se, programa do governo federal para o ensino superior, deve ser apresentado hoje para o presidente Jair Bolsonaro, mesmo dia em que as linhas gerais também serão discutidas com os reitores. Entre os objetivos, está o fortalecimento da autonomia financeira das universidades e dos institutos federais de ensino. Uma das ideias é que esses órgãos possam captar recursos com o setor privado e utilizá-los, sem que isso fique represado no orçamento, segundo uma fonte disse ao Valor.

Antes de entrar em vigor, entretanto, o programa passará por um período de consulta pública. Além disso, a adesão das universidades será facultativa. "Inovação e empreendedorismo nas universidades", afirma material de divulgação do governo federal sobre o lançamento oficial do programa, que será realizado na quarta-feira.

Paralelamente às novas regras para as universidades públicas, o governo estuda mudanças no Fies, com três eixos: redução da inadimplência, melhor execução e simplificação do programa. Essas alterações, contudo, ainda estão em estudo e não há previsão de anúncio para esta semana nem de quando isso vai ocorrer.

Um dos trabalhos é para implementar o modelo de "Empréstimo com amortização condicionada à renda" (ECR), que foi criado no governo Temer, mas não está funcionando efetivamente. O governo atual entende que a implantação desse sistema vai reduzir as taxas de inadimplência, hoje na faixa de 50%.

A discussão sobre o Future-se ganhou destaque no fim de semana, com rumores de que os institutos de ensino federais passariam a cobrar mensalidade dos alunos. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, veio a público na noite de domingo desmentir os boatos. "A graduação não será paga pelos alunos das federais", escreveu em sua conta no Twitter, afirmando, no entanto, que "a rápida deterioração das contas vista nos últimos anos será interrompida".

Uma fonte que participou de reunião no MEC também garantiu que não há previsão de cobrança de mensalidade nas federais neste momento.

"Há avanços maiores e menos polêmicos que serão apresentados", disse Weintraub. Segundo ele, o novo modelo será similar ao adotado por países europeus, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Israel, entre outros.

Segundo uma fonte, um estudo apresentado internamente no ano passado, ainda na gestão de Rossieli Soares no MEC, mostrou que a cobrança de mensalidade a todos os alunos das federais representaria um incremento de apenas R$ 4 bilhões no orçamento total das instituições, menos de 10% do valor aprovado para este ano, de quase R$ 50 bilhões.

O Future-se começou a ser elaborado no período em que o ministro Abraham Weintraub assumiu o MEC, em abril. Logo em suas primeiras semanas no cargo, ele enfrentou um dos períodos de maior turbulência do governo do presidente Jair Bolsonaro, relacionado justamente ao financiamento do ensino superior público no Brasil.

As declarações dadas por Weintraub de que universidades federais que promovessem "balbúrdia" teriam suas verbas reduzidas e um contingenciamento linear de R$ 7,4 bilhões (posteriormente revisado para R$ 5,8 bilhões) desencadearam em maio manifestações em todos os Estados do país, as maiores realizadas até o momento contra o governo Bolsonaro.

Embora os detalhes finais da iniciativa ainda não sejam conhecidos, o programa vai em direção oposta ao que vinha sendo discutido na gestão de Ricardo Vélez Rodríguez, antecessor de Weintraub, afirma uma fonte que acompanhou esse debate.

Até meados de março, a ideia era que o MEC induzisse uma espécie de autorregulação nas federais, estimulando que as próprias instituições definissem critérios para competir entre si.

"Por melhor que sejam as propostas, a forma já condenou esse projeto. Está sendo um modelo imposto, construído sem diálogo", destaca essa fonte, para quem é grande a chance de resistência das universidades às propostas do MEC.

Pelo que se sabe até agora do programa, também há o risco de as universidades federais de menor porte e criadas nos governos Lula e Dilma sofrerem uma competição desigual com as instituições mais antigas na busca por recursos com o setor privado, ainda observa essa fonte.

O mais indicado, ainda segundo essa fonte, seria manter a estrutura atual das federais e criar um "canal de saída" para melhorar a gestão e a captação de recursos com o setor privado.

O MEC também negou, por meio de sua assessoria, rumores de que, entre as mudanças nas universidades públicas, estaria a introdução do ECR.

O modelo surgiu na Austrália e vincula o financiamento do ensino superior à renda futura do estudante.

Em evento realizado na semana passada, o secretário de Educação Superior do (MEC), Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, afirmou que um dos eixos do Future-se será a "internacionalização" do ensino superior.