Correio braziliense, n. 20445, 13/05/2019. Economia, p. 6

 

Janela aberta para fundos de previdência

Hamilton Ferrari

Rafaela Gonçalves

13/05/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Finanças » Discussão sobre falência do sistema previdenciário público desperta brasileiros para a necessidade de poupar para o futuro. No mercado, existem produtos que garantem renda a longo prazo, mas é preciso se informar para escolher o mais adequado

Com a reforma da Previdência andando no Congresso, a apreensão em relação ao futuro financeiro das pessoas aumenta. De um lado, há declarações persistentes do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o atual regime de repartição está falido. De outro, a discussão sobre capitalização ainda não dá instrumentos suficientes para concluir qual rumo terá a contribuição dos trabalhadores. Os fundos de previdência privada passam a ser uma opção em meio à nebulosidade de informações, mas é preciso ter cautela e avaliar cada passo, já que se trata de uma aplicação de longo prazo.

O país ainda sofre com a falta de planejamento financeiro, principalmente o que trata de investimentos mais longos. O hábito de poupança ainda é marginal, fruto da baixa educação financeira. Segundo especialistas, seja qual for a reforma da Previdência aprovada, a pessoa terá que andar com as próprias pernas. Isso significa que não poderá depender apenas do que for decidido no setor público.

Os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) revelam que menos de 10% da população brasileira tem recursos aplicados em previdência privada, que é um dos mais conhecidos investimentos para o longo prazo. A previdência complementar é dividida em aberta e fechada, sendo que a primeira é ofertada por instituições financeiras a qualquer pessoa que queira poupar para o futuro, enquanto a segunda destina-se aos trabalhadores de empresa ou a pessoas filiadas a associações e a sindicatos.

Os dois ramos estão crescendo no Brasil e, segundo agentes do setor, a reforma da Previdência cria oportunidade para a ampliação. A rentabilidade dos fundos de previdência complementar abertos, foi acima de 6% em 2018.

A previdência complementar fechada, por sua vez, teve rentabilidade acumulada dsse 12,22% no ano. Ambas superaram a taxa de juros padrão (TJP), que foi de 10,14%, e os juros dos Certificados de Depósito Interbancário (CDI), de 6,42%, e da poupança, 4,62%.

Gilvan Cândido, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), coordenador do MBA de previdência complementar, explica que as pessoas terão que poupar para o futuro. “A mudança de regime da Previdência Social de repartição para capitalização não tem relação direta com a previdência privada. Mas cria, sim, uma expectativa em relação ao futuro, porque o cidadão começa a se perguntar sobre a solidez do regime atual. É sempre importante investir em previdência e formar a aposentadoria no futuro”, destaca.

O professor diz que a decisão de investimento em previdência aberta está relacionada ao apetite ao risco. “Se o poupador é jovem, ele pode investir em fundos mais arriscados com mais renda variável. Se ele é mais velho, deve investir em fundos de renda fixa e com mais liquidez”, afirma.

Jonatas Bueno, educador e terapeuta financeiro da DSOP, defende que as pessoas deveriam se preocupar mais em poupar para o futuro. “O ideal é ter uma gestão ativa, em que a própria pessoa decida onde vai alocar seus recursos. É preciso fazer aportes mensais por longo prazo e ter disciplina, além de estudar onde deveria ser aplicado”, diz. “Ao passar para a previdência complementar, a pessoa está terceirizando a gestão de seus recursos. E isso gera um custo”, destaca. “Tem o bônus de não ter que se preocupar em gerir os recursos, mas tem o ônus de que o fundo venha a falir. Por isso, é sempre importante a pessoa ter consciência de onde vai parar o dinheiro”, completa.

Bueno compara com a situação atual: “As pessoas sempre terceirizaram a administração de sua poupança ao setor público, que hoje está quebrado. Pode ser que, agora, haja uma migração para os planos de previdência privada”, declara. Para o educador, os trabalhadores poderiam buscar conhecimento e se educarem financeiramente para que não precisem depender das taxas de administração cobradas de instituições financeiras, que prejudicam o investimento.

Rendimento

O servidor público Diogo Queiroz, 31 anos,  iniciou o plano de previdência privada há dois anos com ajuda de uma assessoria financeira e está satisfeito com o retorno. “Tenho consciência de que é uma aplicação, um dinheiro para colocar e deixar. Aplico em PGBL e tenho o benefício de abater no Imposto de Renda. É uma estratégia, mas é um dinheiro que vou deixar muito tempo para pagar o mínimo de imposto quando for resgatar”, diz.

Há diferenças entre o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). A principal é que, no primeiro, o titular pode abater as contribuições feitas ao plano na declaração de Imposto de Renda (com limite de até 12% da renda bruta tributável anual). No VGBL, isso não é possível. Na prática, o VGBL é recomendado para quem entrega o formulário simplificado do Imposto de Renda ou que não contribui para a Previdência Social pública. Também vale para quem pretende investir mais de 12% da renda bruta tributável.

O defensor público Ramiro Sant’Ana, 31, pensou na previdência privada como investimento, mas percebeu que a aplicação não seria muito vantajosa. “O rendimento era baixo e essa vantagem do Imposto de Renda é muito pequena. Seria só para imediatamente ter um desafogo, mssas lá na frente, na hora de retirar, eu só teria postergado a cobrança do imposto e, neste meio tempo, não teria uma boa rentabilidade”, diz.

Foi aí que ele optou por outra forma de poupança e não se arrependeu. “Decidi então investir em títulos públicos do Tesouro Direto e deixei mais ou menos dois anos e meio”, afirma.

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Planejamento é importante

13/05/2019

 

 

 

Para o consultor da Life Finanças Pessoais, Leonardo Gomes, as taxas cobradas pelos fundos de previdência estão acima do normal de outros investimentos. “Os bancos usam o produto para vender uma aposentadoria cobrando mais caro com o argumento de benefícios na hora da venda. Mas, se você desiste no meio do caminho, pode ser muito oneroso, mais caro em relação a outros investimentos de longo prazo no Brasil”, afirma. “Quando você faz da forma correta, a previdência privada não é necessariamente um produto ruim, o difícil é encontrar quem consiga fazer esse investimento bem”, completa.

O consultor da Rio Claro Investimentos, Victor Gonzales, enfatiza a importância de um bom planejamento. “Hoje a previdência privada é malvista por algumas pessoas, justamente por ser feita com fundos muito sobretaxados dentro de grandes instituições tradicionais. É preciso avaliar muito bem antes escolher”, sugere.

O presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luís Ricardo Marcondes Martins, defende que esse sistema tem um papel fundamental para o país solucionar o “problema social” da falta de poupança. “A reforma da Previdência sabre janelas para o crescimento do setor e reforça  a necessidade de as pessoas construírem a própria aposentadoria de outra forma”, ressalta.

Ele explica que, no Brasil, o nível de aplicação em previdência privada ainda é baixo, mas que o setor tem tentado atrair mais investidores. “Nosso papel é divulgar e disseminar. Nós estamos incentivando a criação de fundos instituídos, que são aqueles fechados para associações e sindicatos. Estamos criando planos mais flexíveis e reinventando para a nova realidade atual, do mercado de trabalho mais informal”, destaca.

O presidente da Real Grandeza, fundo de pensão dos empregados de Furnas e Eletrobras, Sergio Wilson Fontes, argumenta que, na média, o setor de previdência fechado tem taxas menores de administração. “Nós, inclusive, não cobramos. Só cobramos a taxa de carregamento, que incide sobre o depósito mensal”, diz. Ele ressalta também que a rentabilidade está em torno de 58% ao longo de 20 anos. (HF)