Valor econômico, v.20, n.4793, 16/07/2019. Brasil, p. A3

 

Mercosul acelera vigência de acordo com UE

Daniel Rittner 

16/07/2019

 

 

Os quatro sócios do Mercosul vão acelerar a implantação do acordo de livre-comércio com a União Europeia. Eles se mostraram decididos a usar uma "cláusula de vigência bilateral" para tornar o tratado comercial vigente em cada país-membro do bloco tão logo haja aprovação de seus respectivos Parlamentos.

Assim, um país como o Brasil não precisaria esperar o Paraguai ou o Uruguai não teria que aguardar a Argentina, por exemplo, para colocar o acordo em prática. Para isso, o Parlamento Europeu deverá ter feito sua parte e ratificado o tratado com a eliminação progressiva de tarifas.

Normalmente, a validade requer aprovação de todos os signatários envolvidos. O governo brasileiro tem defendido a aplicação da cláusula de bilateralidade desde o anúncio do acordo, no mês passado, em Bruxelas.

Havia discussão entre os demais parceiros do bloco, entretanto, sobre a conveniência de usar ou não essa "manobra" para não arrastar a entrada em vigência do maior tratado de livre-comércio já firmado pelo Mercosul.

"Os tempos [no Mercosul] mudaram. Hoje precisamos de instrumentos efetivos para dar respostas rápidas às expectativas do setor exportador e produtivo dos nossos países", afirmou a diretora-geral de assuntos de integração da chancelaria uruguaia, Valeria Csukasi.

"Queremos tirar proveito, o mais rápido possível, do acordo e dos benefícios que ele pode nos trazer", acrescentou o embaixador Juan Ángel Delgadillo, vice-ministro de Relações Econômicas e Integração do Paraguai.

As conversas sobre o acionamento da cláusula avançaram ontem em Santa Fé, na Argentina, durante encontro do Grupo Mercado Comum (GMC), principal instância técnica do Mercosul. Os ministros da Economia e das Relações Exteriores do bloco se reúnem hoje - amanhã será a vez da cúpula dos presidentes.

Parece uma decisão burocrática, mas tem efeitos práticos. Outros acordos já celebrados pelo Mercosul, com o Egito e com a SACU (união aduaneira liderada pela África do Sul), demoraram mais de cinco anos para funcionar, devido à necessidade de ratificação por cada um dos sócios.

Apesar do clima de congratulação por causa do acordo recém-fechado, um tema recorrente na agenda do Mercosul voltou à tona nas conversas: fazer em conjunto ou individualmente as próximas negociações comerciais.

Os quatro países sul-americanos só se sentam juntos nas tratativas externas desde 2002. O "novo" Itamaraty do governo Jair Bolsonaro admitia a hipótese de revisar essa norma, preservando-a apenas para acordos já em negociação e liberando cada sócio para futuras conversas com outros parceiros interessados, mas está animado com o tratado UE-Mercosul. Na visão do governo brasileiro, foi uma mostra de que, ao assumir uma postura mais liberal, é possível ter bons resultados com todos juntos.

Um funcionário graduado em Brasília comenta, pedindo para não ser identificado, que tudo dependerá do processo eleitoral na Argentina. Uma eventual vitória do kirchnerismo, com viés mais protecionista, deve levar o Brasil a repensar essa "amarra" do Mercosul e a defender flexibilidade dos sócios para negociar novos acordos individualmente.

O cabeça da chapa que tem Cristina Kirchner como vice, Alberto Fernández, lidera as pesquisas e fez críticas duras ao tratado de livre-comércio com os europeus. Ele já aventou, inclusive, a possibilidade de rejeição dos termos pelo Congresso argentino. Para a fonte brasileira, tudo vai depender do comportamento de Fernández, em caso de vitória no pleito de outubro. "Sabemos também que o discurso de campanha é um, o discurso de governo é outro. Temos que ver."

Da parte do governo de Mauricio Macri, que tenta a reeleição na Argentina, há interesse em flexibilizar a norma do Mercosul existente desde o começo da década passada. Uma fonte da Casa Rosada comentou com o Valor que o país vê com simpatia a negociação conjunta com parceiros maiores, como Estados Unidos ou Japão, porque isso aumenta o poder de barganha do Mercosul.

No entanto, segundo esse auxiliar de Macri, o atual governo gosta da ideia de flexibilidade para fechar acordos individuais com países ou blocos de menor peso na arena internacional, como os centro-americanos.

Para o secretário de Relações Econômicas Internacionais da chancelaria argentina, Horacio Reyser, novos tratados de livre-comércio com o Mercosul têm boas possibilidades de sair nos próximos meses. Ele demonstra otimismo com a rodada negociadora marcada para agosto com os integrantes da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) - Suíça, Noruega, Islândia, Liechtenstein - e estima que um acordo com o Canadá possa ser fechado no primeiro semestre de 2020. Além desses, o Mercosul está em tratativas comerciais com Cingapura e com a Coreia do Sul.