Valor econômico, v.20, n.4193, 16/07/2019. Brasil, p. A5

 

Crise climática deve retirar 0,5 ponto do PIB em 30 anos 

Álvaro Campos 

16/07/2019

 

 

As mudanças climáticas podem tirar até 0,48 ponto porcentual do PIB do Brasil até 2048, segundo relatório da Moody's Analytics. O estudo avalia os impactos sobre a economia global com base em seis eixos: aumento do nível do mar; efeitos na saúde humana; consequência do calor na produtividade do trabalho; produção agrícola; turismo; e demanda por energia.

O relatório usa quatro cenários, com base nos caminhos representativos de concentração (RCP, na sigla em inglês), uma padronização estabelecida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU, que considera níveis diferentes de emissão de gases causadores do efeito estufa, em um prazo até 2100. O efeito de -0,48 ponto no PIB do Brasil é aquele encontrado no pior cenário, que calcula um aumento mediano de 4,1 graus Celsius na temperatura global.

"Embora um petróleo mais barato seja benéfico para a economia do Brasil, os efeitos negativos no fluxo de turismo e na produtividade são maiores. O canal de impacto que avalia o efeito do calor na produtividade do trabalho é o que tem maior efeito econômico", diz em entrevista ao Valor um dos autores do estudo da Moody's Analytics, Chris Lafakis.

Questionado sobre as políticas ambientais do governo Jair Bolsonaro, que já ameaçou deixar o Acordo de Paris (tratado global para limitar emissões de gases causadores do efeito estufa), Lafakis afirma que cumprir as metas do tratado teria custos moderados, mas ajudaria a salvaguardar contra despesas potencialmente maiores geradas pelas mudanças climáticas.

"A mitigação das emissões de gás carbônico pode ser atingida por uma combinação de fatores econômicos, tecnológicos e políticas públicas. Ações dos governos para cumprir as metas do Acordo de Paris são o método mais eficaz para se proteger dos riscos gerados pelas mudanças climáticas".

O estudo não considera os efeitos de um possível aumento nos casos de desastres naturais, já que isso é impossível de prever e não há como quantificar qual a responsabilidade das mudanças climáticas nesses eventos. A pesquisa também não leva em conta potenciais fluxos migratórios, que teriam efeitos diversos sobre os países.

A Moody's Analytics aponta que as mudanças climáticas, por si só, não devem causar uma recessão global e que os efeitos do aumento na temperatura serão mais sentidos a partir de 2030. Ainda assim, o cenário não é nada animador. "O aumento da temperatura global e as mudanças nos padrões de chuva vão afetar a produção agrícola e prejudicar de maneira universal a saúde e a produtividade dos trabalhadores. Eventos climáticos extremos mais intensos e frequentes vão cada vez mais interromper e prejudicar propriedades e unidades essenciais de infraestrutura", diz o relatório.

O estudo lembra que os efeitos na saúde humana são mistos, com piora nos problemas causados pelo calor e melhora naqueles gerados pelo frio. O resultado global líquido, porém, é de piora, com maior proliferação de doenças tropicais, como malária e dengue.

O estudo aponta ainda que o estresse provocado pelo calor, com temperaturas e umidade elevadas, reduz a velocidade dos trabalhadores, exige pausas mais frequentes e aumenta a probabilidade de acidentes. Obviamente, quem trabalha ao ar livre é mais afetado, o que significa que países menos desenvolvidos, com menos indústrias e mais atividade agrícola, sofrerão mais.

Em termos de agricultura, algumas regiões e culturas serão beneficiadas, mas novamente o efeito líquido global é de redução na produtividade. Para a demanda energética, a expectativa líquida é de diminuição nos volumes consumidos, já que hoje se usa mais energia para esquentar espaços do que para esfriar. "As mudanças na demanda terão implicações significativas para os preços de energia, assim como para investimentos em infraestrutura."

Já para o turismo, a consultoria aponta que as mudanças climáticas devem afetar diretamente os fluxos entre os países. As mudanças devem alterar os destinos procurados, ampliando a alta temporada em regiões de altitude e latitude elevadas, elevando o número de visitantes em países mais frios e reduzindo em locais mais quentes. Muitas pessoas também podem desistir de passar férias em outros lugares se o clima nos seus países de origem melhorar.

A agência diz que as mudanças climáticas vão criar muitos perdedores, mas também alguns ganhadores. O principais perdedores são países de clima quente, como os dos Sudeste Asiático. Os ganhadores, por outro lado, são aqueles em que os benefícios de um petróleo mais barato e do aumento no fluxo de turismo mais do que compensam a queda na produtividade. Basicamente, são economias avançadas de clima frio, como no norte da Europa.

Os efeitos heterogêneos das mudanças climáticas criam diferentes incentivos para os países adotarem políticas públicas para regular as emissões de gases causadores do efeito estufa. Apesar do resultado líquido positivo para os EUA, por exemplo, a Moody's Analytics aponta que seria muito simplista dizer que o país não será negativamente afetado pelas mudanças climáticas. A consultoria aponta que o ano de 2017 teve um custo recorde de US$ 300 bilhões em desastres naturais - que não são levados em conta no estudo - no país, o equivalente a 1,5% do PIB.

De acordo com Lafakis, as mudanças climáticas são um risco global que só poderá ser combatido por meio da cooperação internacional. "Embora nenhum país sozinho possa eliminar esses riscos, uma ação coletiva dos governos é um fator bem-vindo, se não necessário, para combater as mudanças climáticas." Ele aponta que os países europeus, apesar de serem menos afetados, têm sido os maiores defensores de medidas para limitar a emissão de gás carbônico.

Nos EUA, apesar de o governo Donald Trump ter anunciado a retirada do país do Acordo de Paris, várias administrações estaduais têm adotado medidas para promover energia renovável, empresas têm desenvolvido tecnologias mais limpas -como os carros elétricos - e boa parte da população acredita que este tema é prioritário. Além disso, os americanos foram os primeiros a cumprir as metas do Protocolo de Kyoto, com uma queda de 12,5% nas emissões de gás carbônico desde o pico atingido em 2007. Isso foi possível, em boa parte, graças ao advento do gás de xisto, que substituiu muitas usinas movidas a carvão.