Valor econômico, v.20, n.4793, 16/07/2019. Política, p. A8

 

Procurador pediu a Moro dinheiro da 13ª Vara Federal para propaganda na TV

Carolina Freitas 

16/07/2019

 

 

Quando era o juiz responsável pela Lava-Jato em Curitiba, o ministro da Justiça, Sergio Moro, aceitou dar dinheiro da 13ª Vara Federal para uma campanha publicitária encomendada pelo procurador Deltan Dallagnol, chefe da operação no Paraná.

Diálogos de 2016 entre Moro e Dallagnol sobre o assunto foram revelados na noite de ontem pelo jornalista Reinaldo Azevedo, na rádio "Bandnews FM" e no portal "UOL". O conteúdo foi obtido em parceria com o "The Intercept Brasil", que, desde 9 de junho, publica reportagens a partir de milhares de mensagens de texto e de voz trocadas entre Dallagnol, Moro e procuradores da Lava-Jato, recebidos de fonte anônima. O procurador e o ex-juiz negam a autenticidade dos diálogos.

De acordo com as conversas reveladas ontem, Dallagnol entrou em contato com Moro em 16 de janeiro de 2016 e pediu R$ 38 mil para uma propaganda na televisão a favor das Dez Medidas Contra a Corrupção. "Vc acha que seria possível a destinação de valores da Vara, daqueles mais antigos, se estiverem disponíveis, para um vídeo contra a corrupção, pelas 10 medidas, que será veiculado na globo??", questiona Dallagnol. "Daria uns 38 mil."

O procurador envia então a Moro dois arquivos com o orçamento da produtora de vídeo e o roteiro do comercial. O planejamento é de um vídeo de trinta segundos que mostra um homem engravatado invadindo a casa de uma família que dorme. Ele joga comida e remédios fora, risca e rasga livros didáticos e engatilha uma arma antes de entrar no quarto do casal. O mote, expresso na locução, é de que "A corrupção atinge a sua vida de tantas formas que você nem percebe".

Moro responde ao procurador no dia seguinte: "Se for uns 38 mil acho que é possível. Deixe ver na terça e te respondo." Uma vara federal não tem recursos destinados à publicidade. As verbas chegam às varas por meio de repasse dos Tribunais Regionais Federais, que, por sua vez, as recebem do Conselho de Justiça Federal. Assim, o dinheiro "da Vara" a que Dallagnol e Moro fazem referência só poderia sair do caixa das despesas correntes da 13ª Vara Federal ou de depósitos judiciais ou multas aplicadas por Moro.

Em nota, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba negou o envio de dinheiro da 13ª Vara Federal para propaganda e disse que o episódio "jamais ocorreu". Moro foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta edição.

As reportagens de ontem apontam ainda o agendamento de uma reunião de planejamento da operação Lava-Jato, em outubro de 2015, com participação de Moro, Dallagnol e de representantes da Polícia Federal do Paraná. O Código de Processo Penal determina que um juiz é considerado suspeito quando aconselha qualquer das partes. O Código de Ética da Magistratura afirma que um juiz deve manter "uma distância equivalente das parte" e evitar "todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo".

O convite para a reunião com MPF e PF parte de Dallagnol, que detalha nas mensagens a pauta do encontro. "Quando seria um bom dia e hora para reunião com a PF, aí, sobre aquela questão das prioridades? Sua presença daria uma força moral nessa questão da necessidade de priorização e evitaria parecer que o MPF quer impor agenda", pergunta o procurador a Sergio Moro.

O então juiz diz que está ocupado nas duas semanas seguintes. Dallagnol volta a procurá-lo. "Seria possível reunião no final de segunda para tratarmos de novas fases, inclusive capacidade operacional e data considerando recesso? Incluiria PF também." Moro então responde: "Penso que seria oportuno. Terça seria o ideal." O encontro é então agendado. Em nota, o MPF do Paraná igualmente negou a autenticidade dos diálogos. Moro não se pronunciou.

Na noite de ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinou que Moro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, prestem informações sobre a suposta investigação contra o jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do site "The Intercept Brasil". A decisão atende a pedido do partido Rede Sustentabilidade, que ajuizou uma ação no STF pedindo a suspensão de qualquer investigação que porventura tivesse sido aberta sobre o jornalista. (Colaboraram Isadora Peron e Luísa Martins, de Brasília)