Valor econômico, v.20, n.4792, 15/07/2019. Política, p. A8
Governo planeja ampliar benefícios a setores empresariais
Raphael Di Cunto
Fabio Graner
15/07/2019
A Medida Provisória 881 (MP da Liberdade Econômica) sequer foi aprovada pelo Congresso e o governo já planeja uma segunda versão do projeto para avançar nos temas da segurança jurídica e de maior liberdade de atuação em alguns segmentos da economia. A ideia é contemplar setores empresariais que levaram suas demandas de mudanças legislativas, mas acabaram não atendidos para não inviabilizar sua votação, além de trabalhar temas que o próprio governo já julga necessários, segundo parlamentares e fontes da equipe econômica.
No governo, a ideia é que a nova proposta seja enviada por meio de projeto de lei com regime de urgência, que não tem eficácia imediata, mas cuja votação precisa ocorrer em 45 dias na Câmara e mais 45 dias no Senado. Parlamentares apontam que esse novo projeto poderia ser enviado também por MP.
Uma das ideias é que o novo texto endureça regras para punição de atos feitos com "má-fé" pelas pessoas. Segundo uma fonte do governo, como a estratégia de desburocratização tem como um dos pilares trabalhar com a presunção de "boa-fé" das partes, é necessário deixar mais claras e duras as punições por atos fraudulentos, como o uso indevido do mecanismo de desconsideração da personalidade jurídica (que em diversas situações é usada para ocultar bens e patrimônio).
Outro tema que o novo projeto deve contemplar é a regulação sobre o setor farmacêutico, tratando da possibilidade de venda de remédios em supermercados, e de farmacêutico virtual nos estabelecimentos e outras questões.
Um terceiro tema que já está no radar para entrar nesse novo projeto é sobre a sociedade anônima simplificada, buscando tornar mais acessível o mercado de capitais para empresas de menor porte. Nesse sentido, temas como definições sobre o corpo do conselho fiscal, necessidade de publicidade de atos e requerimento de capital para empresas menores que quiserem abrir capital podem ser contemplados nesse novo texto.
O governo considerou exitosa a estratégia de copiar o modelo da reforma trabalhista do governo Temer - a proposta foi enviada com alguns poucos artigos e mudanças mais consensuais, mas foi ampliada pelo Congresso com atuação dos empresários para modificar mais de cem artigos da CLT e instituir regras polêmicas, como limitar o acesso à Justiça.
A MP da Liberdade Econômica seguiu o mesmo caminho. Enviada mais como uma declaração de direitos empresariais, o texto se transformou, sob a relatoria do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), em uma segunda reforma trabalhista, com a liberação do trabalho aos domingos e feriados, enfraquecimento do poder de fiscalização dos auditores, criação de um tribunal para analisar as multas e mudanças em outras dezenas de artigos.
Além disso, promove alterações na legislação ambiental e nas relações de fundos de investimentos, dificulta o sequestro de bens de donos de empresas que não pagarem suas dívidas, muda regras para publicidade de produtos, anistia multas pelo descumprimento da tabela do frete rodoviário e autoriza que a carteira de trabalho seja eletrônica.
Os "jabutis" (texto que não tem relação com o conteúdo original da MP) foram acrescentados por estímulo do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que orientou empresários a conversarem com o relator e proporem emendas contra "qualquer tipo de burocracia" que atrapalhasse seus negócios, segundo apurou o Valor.
Segundo Goergen, muitas das demandas dos empresários, como a venda de remédios em supermercados, tiveram que ser descartadas por falta de acordo, que poderia inviabilizar a aprovação na comissão do Congresso a tempo. "É tanta burocracia atrapalhando a vida dos empreendedores que uma MP só não conseguirá resolver", disse. A proposta precisa ser aprovada até o fim de agosto pela Câmara e Senado para não perder a validade.
O deputado Ênio Verri (PT-PR), de oposição, disse que, durante as negociações sobre o parecer de Goergen, reclamou da falta de ações para combater os oligopólios e que ouviu dos técnicos do Ministério da Economia que isso entraria numa segunda proposta. "Eles disseram que está vindo outra MP para aprofundar esse debate. Não tem como falar em liberdade econômica sem atuar contra os oligopólios", afirmou Verri.