O Estado de São Paulo, n. 45802, 13/03/2019. Política, p. A10
Para Raquel, acordo da força-tarefa fere divisão dos Poderes
Amanda Pupo
13/03/2019
Procuradora-geral entra com ação no Supremo contra criação de fundo de R$ 2,5 bilhões; procuradores de Curitiba desistem da ideia
Crítica. Raquel diz que procuradores assumiram compromissos sem ter ‘poder para tanto’
A Procuradoria-Geral da República (PGR) entrou ontem com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que pede a anulação do acordo firmado entre os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e a Petrobrás, que prevê a criação de uma fundação para gerir recursos oriundos de multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobrás em ação nos Estados Unidos. Diante da repercussão negativa, a própria força-tarefa já havia pedido ontem à Justiça a suspensão da criação do fundo, que seria gerido por entidade privada.
Segundo Raquel Dodge, chefe da PGR, o acordo entre a estatal e a força-tarefa da Lava Jato ofende princípios como da separação de Poderes, da preservação das funções essenciais à Justiça, da legalidade e moralidade na “independência finalística e orçamentária do Ministério Público”. Ou seja, para a procuradora-geral da República, o MPF teria extrapolado suas competências ao fechar o acordo, que foi chancelado pela 13.ª Vara Federal de Curitiba.
“O Ministério Público também tem funções constitucionais claras – cíveis e criminais –, e vedações constitucionais que, como o Poder Judiciário, o impede de exercer funções estranhas ao seu escopo de função essencial à Justiça”, afirma a procuradora.
Raquel diz que os procuradores assumiram compromissos pelo MPF, falando pela instituição, “sem poderes para tanto”. Segundo ela, o acordo deixa “bastante evidente” o protagonismo de determinados membros da instituição, “singularmente os que integram a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba”.
Desvio. Raquel destaca que os procuradores desviaram-se de suas funções constitucionais ao assumir o compromisso de desenvolver uma atividade de gestão orçamentária e financeira de recursos, por meio de uma fundação privada, “situação absolutamente incompatível com as regras constitucionais e estruturantes da atuação do Ministério Público”.
A procuradora também afirma que o acordo estabelecido entre Petrobrás e Departamento de Justiça americano não estabelece condição alguma para que o MPF seja o gestor dos recursos, ou defina sua aplicação em finalidades estabelecidas por ele.
Uma vez que o tratado entre MPF e Petrobrás foi resultado de um acordo com a Justiça americana, a PGR destacou que, caso o STF acolha seu pedido, a Petrobrás poderá adotar outras medidas para cumprir o que foi celebrado com as autoridades dos EUA. O pedido de “suspensão da constituição da fundação” foi feito pela força tarefa em documento encaminhado ontem à 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba.
“Diante do debate social sobre o destino dos recursos, noticiado pela mídia nacional, a força tarefa ministerial está em diálogo com outros órgãos na busca de soluções ou alternativas que eventualmente se mostrem mais favoráveis para assegurar que os valores soam usufruídos pela sociedade brasileira”, afirma a força-tarefa no documento./ COLABORARAM LUIZ VASSALLO, RICARDO BRANDT, JULIA AFFONSO e FAUSTO MACEDO
'Funções estranhas'
“O Ministério Público também tem funções constitucionais claras – cíveis e criminais –, e vedações constitucionais que, como o Poder Judiciário, o impede de exercer funções estranhas ao seu escopo de função essencial à Justiça.”
Raquel Dodge
PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
PARA LEMBRAR
Proposta foi criticada no STF
Com a chancela da Justiça, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba fechou, em janeiro, acordo com a Petrobrás para criar um fundo de investimento social voltado a projetos “que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”. A ideia era usar recursos de penalidades impostas à estatal para alimentar o fundo, que teria a gestão de uma fundação de direito privado. A iniciativa do Ministério Público de tentar destinar os recursos recuperados da corrupção foi criticada por ministros do Supremo Tribunal Federal. Em fevereiro, Edson Fachin rejeitou pedido da Procuradoria-geral da República para que o dinheiro de uma multa fosse para o Ministério da Educação. No entendimento dos integrantes da Corte, a atribuição de decidir o destino deste dinheiro é da União, e não do MP ou da Justiça.