Valor econômico, v.20, n.4796, 19/07/2019. Opinião, p. A11

 

Abertura comercial e integração regional

Rabih Nasser 

Uallace Lima

19/07/2019

 

 

A abertura comercial vem sendo defendida como um dos eixos da política econômica do atual governo. Há um diagnóstico bastante difundido de que a maior integração no comércio internacional é condição necessária para o aumento da eficiência e competitividade da nossa economia. Pode haver divergências sobre a forma e o ritmo de implementação, mas é praticamente consensual que o processo de abertura é fundamental.

A partir da segunda metade do século passado, verificou-se um intenso processo de liberalização comercial em escala global. Isto foi possibilitado pela multiplicação de acordos comerciais e de investimentos; o que permitiu a redução de barreiras tarifárias e não tarifárias e estimulou os fluxos de comércio e investimento.

Do ponto de vista econômico, esse processo de integração levou ao desenvolvimento das cadeias globais de valor (CGV), com a fragmentação da produção com base em critérios de eficiência. As CGV permitiram a rápida industrialização de várias economias em desenvolvimento, aumento do comércio sul-sul e multiplicação dos fluxos comerciais entre empresas de um mesmo grupo.

Inúmeros estudos mostram que o Brasil permaneceu em grande medida à margem, tanto em relação aos acordos comerciais quanto ao desenvolvimento das CGV. A participação do país no comércio internacional sempre foi baixa, em torno de 1%, com o país tendo relevância principalmente como exportador de commodities.

Um desafio que se coloca, para a nova política comercial é como alterar essa realidade e recuperar o tempo perdido em um cenário de tensões comerciais, com a retomada de políticas nacionalistas e com a contestação da ordem econômica liberal construída nas últimas décadas. Parece-nos claro que uma das formas é o Brasil procurar estimular um processo de aprofundamento radical da integração comercial e produtiva na América Latina.

Ponto importante é que as CGV se tornaram uma construção predominantemente regional, em que a Alemanha na Europa, os EUA na América do Norte e o Japão no Leste Asiático (e agora crescentemente a China) afirmaram-se como importantes centros de gravidade e de adensamento das cadeias de formação de valor.

Apesar de ter desenvolvido uma indústria diversificada, o Brasil se manteve historicamente mais voltado ao mercado interno, com as empresas procurando extrair dele o máximo proveito, com os benefícios (em termos de industrialização) e distorções (causadas pelo arsenal de incentivos, barreiras e proteções) inerentes a essa dinâmica.

Também economias avançadas perderam posição no valor agregado manufatureiro, o que ajuda a explicar o ressentimento da classe trabalhadora que alimenta a onda nacionalista nos países desenvolvidos. Por outro lado, os ganhadores absolutos na disputa da concorrência global para a recepção de investimentos foram os países asiáticos, principalmente sob a liderança chinesa.

Diante dessas mudanças no comércio internacional, além de pouco peso nas cadeias globais, o Brasil e a América Latina apresentam uma integração produtiva regional pouco significativa, ao contrário de outras regiões, apesar de arranjos de integração como o Mercosul e a Aladi - Associação Latino-Americana de Integração.

Dois indicadores importantes sobre a participação dos países nas CGV, conforme metodologia da OCDE, são um "indicador para trás" da cadeia produtiva, que indica a parcela de insumos estrangeiros contidos nas exportações; e um "indicador para frente", que indica a parcela de insumos produzidos em um país contidos nas exportações dos outros países. A soma dos dois fornece uma aproximação do que seria um índice de participação nas CGV.

De acordo com relatório da OCDE (2013), o Brasil é uma das economias com menor valor adicionado estrangeiro nas suas exportações, da ordem de 10% (indicador para trás). Segundo o estudo, esse dado mostra que a economia brasileira é relativamente fechada, ou porque é forte na produção doméstica de matérias primas e bens intermediários, ou porque produz relativamente poucos bens que demandam componentes vindos do exterior ou ainda porque somos uma economia protegida.

Já a contribuição brasileira enquanto valor adicionado nas exportações dos outros países (indicador para frente) é da ordem de 20%, mas principalmente por conta das exportações de insumos e matérias primas.

Esses dados mostram que além de a economia brasileira apresentar uma baixa inserção no comércio internacional e nas CGV, a qualidade dessa inserção é sustentada em produtos considerados de baixa intensidade tecnológica. Além disso, indicam que a maior inserção do Brasil passa necessariamente por maior integração produtiva do país com seu entorno regional.

A eliminação dos regimes de exceção ao livre comércio no Mercosul, o incentivo ao processo de industrialização de vizinhos como o Paraguai, com a instalação de fábricas que podem ser fontes alternativas (aos países asiáticos por exemplo) de insumos para as indústrias brasileiras e a resistência às pressões protecionistas em relação a produtos em que nossos vizinhos são competitivos - ainda mais quando se trata de matérias primas - são exemplos de medidas necessárias no processo de maior abertura comercial.

Sem prejuízo da celebração de acordos comerciais e de investimentos com parceiros ao redor do mundo, o adensamento de cadeias de valor na América Latina e o aprofundamento da integração na região são fundamentais. Mesmo porque, além de fazer sentido do ponto de vista econômico, a própria Constituição Federal, ao tratar no artigo 4º dos princípios que regem as relações internacionais do país, prevê que a "República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina" e este sempre foi um dos eixos da política externa brasileira. A nova política comercial deve reforçar esse compromisso ao incorporar o aprofundamento da integração regional ao processo de abertura comercial.