O Estado de São Paulo, n. 45801, 13/03/2019. Política, p. A8

 

'Informações são falsas', diz site francês

Fabio Leite

Tulio Kruse

Marcelo Godoy

Daniel Bramatti

Caio Sartori

Alessandra Monnerat

12/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Página onde foram publicadas originalmente declarações de repórter do ‘Estado’ desmente as acusações inverídicas replicadas por Bolsonaro

O site francês Mediapart, onde foram publicadas declarações distorcidas da repórter do Estado Constança Rezende para atacar a cobertura da imprensa sobre o governo Jair Bolsonaro, desmentiu ontem, em português, as acusações repercutidas pelo site Terça Livre e pelo próprio presidente da República via Twitter no último domingo.

“As informações publicadas no ‘club de Mediapart’, que serviram de base para o tweet de Jair Bolsonaro, são falsas. O artigo é de responsabilidade do autor e o blog é independente da redação do jornal”, afirmou o Mediapart no Twitter. O portal francês disse se solidarizar com a jornalista do Estado.

A publicação original que acusou a repórter do Estado de tentar “arruinar” o governo Bolsonaro foi feita em um blog produzido por leitores do Mediapart. Intitulado “Para onde vai a imprensa?”, o texto foi publicado em uma seção do site chamada “Le Club”, uma espécie de fórum online no qual internautas podem manter blogs próprios.

O texto original é assinado por Jawad Rhalib, que se apresenta como “autor, cineasta, documentarista e jornalista profissional”. O blog de Rhalib tem sete postagens, que começaram a ser publicadas em dezembro de 2018. Qualquer assinante do site Mediapart pode participar da seção “Le Club”. A assinatura custa € 2 por semana.

A publicação do site francês foi citada pelo portal bolsonarista Terça Livre para dar tom de veracidade à informação falsa de que a repórter do Estado Constança Rezende teria declarado, em uma conversa gravada, ter a intenção de arruinar Bolsonaro. Os áudios divulgados no blog mostram que a repórter não falou isso.

No texto “Para onde vai a imprensa?”, Rhalib escreve que pediu a uma fonte, um estudante de uma “famosa universidade britânica focada neste tema”, para entrevistar Constança. O blogueiro escreve que, na gravação, a repórter teria revelado que “a verdadeira motivação por trás da cobertura negativa da mídia é a de ‘arruinar’ o presidente Jair Bolsonaro e causar sua demissão”. A transcrição da “entrevista”, no entanto, não corrobora essa versão.

Rhalib também erra ao dizer que a divulgação dos relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por jornalistas seria ilegal. O artigo 5.º da Constituição Federal assegura o acesso à informação e resguarda o sigilo de fontes no exercício da profissão jornalística.

Outro site que espalhou a história foi o americano Washington Times, que existe desde 1982. Assim como a publicação no site francês, trata-se de um artigo de opinião, assinado por L. Todd Wood. No texto, ele repercute a “entrevista” como se a repórter estivesse falando algo conspiratório contra Bolsonaro. Wood também já escreveu artigos sobre uma suposta “agenda globalista” e sobre mudanças climáticas, que descreve como um “golpe” perpetrado por comunistas.

Falso. Ontem, o site Terça Livre voltou a atacar a jornalista do Estado utilizando-se de conteúdo falso. Desta vez, Allan dos Santos, colunista responsável pelo site, fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook na qual exibiu em um vídeo postagem de Twitter atribuindo à Constança a frase de que “O Brasil virou uma ditadura”. O perfil falso, que trazia uma foto de Constança, foi eliminado do Twitter por desrespeitar as regras de utilização da plataforma.

No vídeo, Allan dos Santos disse que seu site apenas reproduziu a publicação feita no site Mediapart e que “as provas são do jornalista francês”. Após o Estado publicar que as informações foram distorcidas, Allan dos Santos alterou o título da reportagem publicada no site, tirando as aspas no trecho atribuído à repórter de que “a intenção é arruinar Flávio Bolsonaro e o governo”.

Ao Estado, Allan dos Santos afirmou que havia uma imprecisão no título e que seu site, embora seja simpático a Bolsonaro, é independente. “Nossa independência é financeira. Não recebemos dinheiro da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pela verba de publicidade do governo federal) como o Estadão recebe”, afirmou.

O Estado procurou o documentarista e jornalista belgomarroquino Jawad Rhalib por email e no telefone de sua produtora de filmes, em Bruxelas, na Bélgica, mas Rhalib não respondeu aos e-mails nem ao telefonema. O jornal também tentou localizar o suposto estudante americano Alex McAllister, que teria feito o contato com Constança . Não foi possível localizá-lo na Universidade do Texas.

'Independente'

“As informações publicadas no ‘club de Mediapart’, que serviram de base para o tweet de Jair Bolsonaro, são falsas. O blog é independente da redação do jornal.”

Mediapart

SITE FRANCÊS

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Autora de texto trabalha em gabinete do PSL

12/03/2019

 

 

Fernanda Salles Andrade, que assina texto com informações falsas sobre a jornalista do Estado Constança Rezende no site Terça Livre, ocupa cargo de assessoria parlamentar no gabinete do deputado estadual Bruno Engler (PSL), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Engler é um dos principais apoiadores da família Bolsonaro no Estado.

A nomeação foi publicada no dia 2 de fevereiro, com retificação no dia 26. De acordo com a Assembleia de Minas, Fernanda recebe salário de R$ 6.543,69 – o contrato é de seis horas. Após a nomeação, ela assinou dois textos no site Terça Livre que trataram de atividades ocorridas na Assembleia.

Fernanda, que publicou foto em rede social ao lado do presidente Jair Bolsonaro no dia da posse, em 1.º de janeiro, aparece em vídeos no YouTube em que defende o governo. Em um dos mais recentes, a assessora fala sobre o vídeo obsceno publicado pelo presidente durante o carnaval.

O Estado conversou ontem com Fernanda por telefone e também pessoalmente, no gabinete de Engler. À reportagem, ela disse que os textos foram escritos fora de seu horário de trabalho. Declarou ainda que sua atividade no gabinete de Engler não tem relação com sua colaboração para o site. “O que fiz foi uma reprodução da denúncia feita pelo jornalista francês”, disse Fernanda.

Engler afirmou que não saberia responder se as postagens feitas pela funcionária partiram de seu gabinete. “Não é trabalho de deputado ficar vigiando tela de computador para ver o que o funcionário está postando”, disse o parlamentar.

Para Engler, não há problema no fato de a assessora trabalhar em seu gabinete e também para o site. “É um portal que respeito muito”, declarou.

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'Acadêmico' falou em trabalho para universidade

Wilson Tosta

12/03/2019

 

 

Homem que se disse chamar Alex MacAllister alegou fazer pesquisa sobre populismo para procurar repórter

O suposto pesquisador que se apresentou à repórter Constança Rezende como Alex MacAllister telefonou pelo menos dez vezes de 23 de janeiro a 28 de fevereiro. O pretexto para a insistência era um suposto trabalho de pesquisa, a ser apresentado na Universidade do Texas, sobre populismo. MacAllister nunca disse à repórter que a entrevistava, nem que gravava o que falavam.

Autora de reportagens sobre o caso envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, publicadas pelo Estado, a jornalista conversou diretamente com MacAllister duas vezes. Para a comunicação, ele usou o WhatsApp, pelo qual telefonou e enviou mensagens.

O primeiro contato de MacAllister com Constança ocorreu em 23 de janeiro, em telefonema. Ela não atendeu à ligação. Às 15h19, ele perguntou no WhatsApp, por escrito, em inglês: “Qual horário seria conveniente para você falar amanhã? Seria ótimo. : )” A repórter respondeu às 15h25: “Sim, desculpe. Eu estava andando na rua quando você me ligou. Quem é você? Desculpe, não entendi”.

A resposta veio às 15h51. “Sim, desculpe pela conexão ruim. Sou um estudante da UT do Texas fazendo pesquisa para um trabalho para um seminário”. Às 15h58, retomou o assunto e explicou sua “pesquisa”. Avisou que ligaria no dia seguinte, o que aconteceu. No dia 25, houve nova conversa, mais breve. Entre os assuntos, as investigações sobre o caso Queiroz, o funcionamento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o papel do vice-presidente, Hamilton Mourão.

‘Checar algo’. Depois, houve um hiato de 13 dias. MacAllister voltou a telefonar em 7, 8, 10 e 12 de fevereiro. A repórter não o atendeu. No período, ela enviou a ele links das suas reportagens. Em 18 de fevereiro, ele perguntou por mensagem se poderia telefonar e depois, às 12h07, dizendo que pensava no que ela dissera sobre Mourão. Em 19 de fevereiro, MacAllister telefonou às 10h14, sem sucesso. Depois, mandou mensagem, dizendo que queria “checar algo” e pedindo “um minuto livre”.

MacAllister tentou telefonar para a jornalista no dia 21, às 9h50, mas a profissional não o atendeu e depois avisou que estava ocupada. Às 11h44, nova mensagem, perguntando se ela poderia conversar. No dia 22, em nova tentativa, ele perguntou por escrito, às 10h06. “Oi. Você está livre hoje de alguma forma?” Foi ignorado.

Cinco dias depois, em 27 de fevereiro, MacAllister enviou um e-mail à jornalista. Agradeceu e mandou um resumo do que seria a sua pesquisa. No dia seguinte, ligou, mas de novo não foi atendido. Foi sua última tentativa de contato. Seu telefone, de DDI 044, do Reino Unido, não constava mais no WhatsApp ontem.