Valor econômico, v.20, n.4791, 12/07/2019. Brasil, p. A6

 

Sucesso do Ceará em educação inspira 8 estados 

Hugo Passarelli 

12/07/2019

 

 

Ao menos oito Estados caminham para atrelar parte dos repasses de ICMS a municípios a métricas de desempenho escolar, seguindo o modelo bem-sucedido do Ceará. A maioria vai aproveitar o incentivo financeiro para aproximar Estados e municípios na formulação e execução de políticas educacionais.

O trabalho conjunto entre os entes tem sido apelidado de regime de colaboração. Segundo essa visão, o dinheiro extra do ICMS foi só um dos fatores a colocar o ensino fundamental cearense entre os primeiros colocados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

A partir do que já foi testado e mensurado no Ceará, tem se consolidado a percepção de que os municípios, sozinhos, não têm recursos técnicos e financeiros para mudar o quadro de baixa aprendizagem dos alunos. Para os Estados, um dos benefícios da parceria é preparar melhor os estudantes que estarão sob sua responsabilidade no ensino médio.

Em cinco Estados — Amapá, Espírito Santo, Paraná, Pernambuco e Sergipe — os debates, apesar de estarem em diferentes estágios, seguem exatamente essa formatação. Paralelamente a esse movimento, Maranhão, São Paulo e Pará discutem como incorporar o repasse de ICMS às suas políticas educacionais já implementadas ou em andamento.

“As evidências mostram que, além do repasse de ICMS, é preciso trabalhar em conjunto para que os Estados forneçam apoio na formação de professores, elaboração e compra de material didático complementar e adoção de instrumentos participativos de governança”, diz David Saad, diretor-presidente do Instituto Natura, que, em parceria com a Fundação Lemann, está dando apoio técnico para esses cinco Estados adotarem as mudanças.

Pernambuco deu largada a esse movimento e anunciou, no mês passado, o programa Criança Alfabetizada, cuja formatação segue exatamente essas diretrizes. Os outros quatro Estados devem apresentar seus projetos no segundo semestre.

No caso pernambucano, a proposta é elevar gradualmente, a partir de 2021 e durante seis anos, de 3% para 18% a fatia de recursos de ICMS que são distribuídos de acordo com indicadores de aprendizagem. O percentual final é o mesmo hoje adotado pelo Ceará. Um projeto de lei com essa modelagem tramita em regime de urgência na Assembleia do Estado de Pernambuco.

“Em algum momento, todos os Estados vão ter de perceber que vão ter de construir o regime de colaboração com os municípios”, diz Fred Amâncio, secretário de Educação de Pernambuco.

Assim como Ceará, Pernambuco vai premiar as melhores escolas do Estado. Parte do dinheiro, no entanto, só é liberada caso as instituições de ponta ajudem as piores colocadas no ranking.

Fatores regionais devem ser levados em consideração antes de simplesmente replicar o modelo do Ceará. Em São Paulo, por exemplo, a reorientação do ICMS pode afetar a arrecadação de cerca de cem municípios, que não necessariamente seriam compensados, pelo menos no primeiro momento, pelo novo modelo, explica Patrick Tranjan, assessor de relações institucionais da Secretaria de Educação paulista.

Segundo ele, também é preciso estudar como fazer para que o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) chegue a todos os municípios — hoje, a adesão à prova é voluntária. Sem uma avaliação de aprendizagem em todas as redes municipais é inviável mudar a distribuição de ICMS.

De acordo com Tranjan, a ideia é tentar costurar, junto com o legislativo, um período de transição na alteração da lei do ICMS. No fim de maio, o deputado Daniel José (Novo) protocolou na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um projeto de lei que propõe elevar para 13% a fatia de recursos do ICMS que seguem critérios educacionais.

O Consed, entidade que representa os secretários estaduais de Educação, criou neste ano um grupo de trabalho para sistematizar iniciativas bem-sucedidas de regime de colaboração, como a do Ceará, e oferecê-las por meio de guias para as demais unidades da federação que tenham interesse em seguir por essa linha.

“Vamos trabalhar para disseminar uma cardápio de soluções já testadas, como as iniciativas que permitiram a alfabetização em idade certa no Ceará”, afirma Goreth Souza, líder dessa iniciativa no Consed e secretária de Educação do Amapá. Segundo ela, o objetivo é elaborar guias com boas práticas, a partir dos quais cada Estado pode decidir por qual caminho seguir.

No Amapá, Goreth afirma que a opção foi iniciar, há três anos, essa aproximação mais forte com os municípios. Agora que a estrutura está mais azeitada, o Amapá começou a dedicar a debater a legislação sobre o ICMS. “Aqui temos especificidades, como as grandes distâncias para as comunidades indígenas, que nos fizeram apostar primeiro no estreitamento do relacionamento entre os entes”, afirma.

No mês passado, o secretárioexecutivo do Ministério da Educação (MEC), Antonio Vogel, disse que a pasta é a favor de disseminar pelos Estados a prática de repasse de ICMS adotada no Ceará. Se vier desacompanhada de outras medidas, a iniciativa é vista com cautela por Saad, do Instituto Natura. “Só o repasse de ICMS, sem que haja colaboração entre os entes, não é suficiente para melhorar os resultados das escolas”, afirma.