Valor econômico, v.20, n.4791, 12/07/2019. Política, p. A10

 

Bolsonaro quer indicar o próprio filho para embaixador nos EUA

Fabio Murakawa 

Carla Araújo 

Luísa Martins 

Renan Truffi 

Daniel Rittner 

12/07/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro pretende indicar um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Presidente do Senado, Casa responsável por avalizar as nomeações de embaixadores, Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse ao Valor que a indicação deve ser aprovada, caso realmente ocorra, enquanto ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) dizem que a medida pode ser questionada.

Falando a jornalistas no fim da tarde ontem, em Brasília, Bolsonaro afirmou faltar apenas o "sim" de Eduardo para a confirmação de seu nome. Momentos depois, na Câmara, Eduardo disse que aceitaria a missão, caso ela lhe fosse oficialmente oferecida pelo pai.

"Já foi cogitado no passado, levamos em conta custo e benefício, como seria compreendido naquele país", disse Bolsonaro. "Fiquei pensando: imagina se tivesse no Brasil aqui o filho do [presidente Maurício] Macri como embaixador da Argentina? Obviamente, o tratamento a ele seria diferente de outro embaixador normal."

Bolsonaro disse não saber ao certo se Eduardo teria que renunciar ao mandato caso aceitasse o convite. E, antes de enumerar as qualidades do filho, afirmou que mesmo assim está cogitando deslocar o filho para Washington.

"É uma coisa que está no meu radar, sim, existe essa possibilidade", disse Bolsonaro. "Ele [Eduardo] é amigo dos filhos do Trump, fala inglês, fala espanhol, tem vivência muito grande de mundo. No meu entender poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente em Washington."

Pego de surpresa pela declaração do pai, Eduardo convocou uma entrevista coletiva na qual disse que aceitaria a embaixada, mesmo se tivesse que renunciar.

O deputado comentou ainda que sua missão como embaixador nos EUA será "estreitar as relações, resgatar a credibilidade brasileira no exterior e atrair investimentos. "O embaixador tem que estar ciente dessa missão", disse "Certamente nos teremos uma relação muito mais próxima [com o governo americano, por ser filho de Bolsonaro]."

Eduardo ponderou ainda estar falando "na esfera da cogitação". "Estou sendo bem cauteloso para conversar com o presidente e com o chanceler Ernesto Araújo para saber se está 100% confirmado."

A respeito da possível perda do mandato, Bolsonaro disse acreditar que "a gente estaria fora da questão da súmula vinculante" que versa sobre o nepotismo.

Eduardo já vinha atuando como uma espécie de "chanceler informal" do governo do pai. E é, de fato, benquisto por Trump.

Em março, durante visita de Bolsonaro aos EUA, o presidente americano quebrou o protocolo e interrompeu a própria declaração que fazia no jardim da Casa Branca para elogiá-lo. "O filho do presidente foi fantástico", disse Trump, pedindo que Eduardo se levantasse. "O trabalho que realizou durante um período muito difícil foi fantástico, eu sei que é algo que seu pai fica muito grato de ver. Muito Obrigado, trabalho fantástico."

Uma fonte do Palácio do Planalto disse ao Valor que "não é má ideia ter alguém que foi muito elogiado publicamente pelo Trump como embaixador do Brasil". "Para os EUA, nomeações políticas são interpretadas em Washington como sinal de prestígio", disse.

Desde a transição, Eduardo vem se destacando como um líder na área internacional. Nesse período, passou a fazer contados com figuras como Jared Kushner, genro de Trump e um dos principais conselheiros do presidente. Outro amigo americano de Eduardo é Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e um dos principais expoentes da direita populista nos EUA.

Em novembro passado, Eduardo apareceu nos EUA usando um boné escrito "Trump 2020, Make America Great Again" ("Faça a América Grande de Novo", slogan de Trump). Um mês depois, organizou a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu, um movimento para se contrapor ao esquerdista Foro de São Paulo.

Ele também esteve envolvido nas conversas para que o Brasil reconhecesse Juan Guaidó como presidente encarregado da Venezuela, em uma articulação com os EUA para depor Nicolás Maduro.

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo Valor avaliam que Eduardo deve renunciar se decidir assumir a embaixada. A Constituição diz que o deputado não perderá o mandato se for ocupar cargo de "chefe de missão diplomática temporária", mas magistrados da Corte entendem não ser o caso dos embaixadores

Reservadamente, um deles disse que o posto de embaixador "não é enquadrável como de missão temporária, embora possa haver a destituição a qualquer momento". Outro disse considerar que o cargo é de "atividade permanente".

A eventual nomeação de Eduardo poderá ser questionada também com base em súmula vinculante que trata sobre hipóteses de nepotismo na administração pública. Segundo a súmula número 13 do STF, viola a Constituição a nomeação parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, para cargos de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo de comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada. O verbete, no entanto, não especifica se esse entendimento vale para cargos de natureza política, como é o caso de embaixadores. Há controvérsias entre membros da Corte nesse sentido.

O ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo, disse ao Valor que, em seu ponto de vista, a nomeação se enquadraria na definição de nepotismo. "Para mim, sim, mas a maioria tem excepcionado os agentes políticos, incluídos secretários e ministros. Pobre Constituição Federal. Precisa ser um pouco mais amada, inclusive por aquele que é seu defensor maior: o STF."

O presidente do Senado, por sua vez, disse que a escolha "é uma prerrogativa do presidente". "[A indicação] vai ser aprovada. Acho que não [há risco de ser rechaçada. Por que [barrar]?".

Sobre a possibilidade de a escolha caracterizar nepotismo, Alcolumbre disse que isso já deve ter sido analisado pelo governo.

O futuro embaixador precisa ter seu nome aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado (CRE) e pelo plenário do Senado. "Quem vai votar contra a indicação do presidente da República para ser embaixador do Brasil em qualquer País?", questionou.