Título: China é motivo de crítica e de temor
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2012, Economia, p. 12

Gigante asiático prejudica o Brasil de duas formas: ao manipular sua moeda e ao crescer menos

Não bastassem os temores decorrentes da recessão europeia e da desaceleração econômica dos Estados Unidos, o mundo assiste, atônito, ao rápido enfraquecimento de um gigante asiático: a China. Não à toa, a presidente Dilma Rousseff separou uma parte de seu discurso de hoje, na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), para alertar sobre os riscos de países insistirem na manipulação de suas moedas como forma de salvar suas economias. Apesar de o nome da China não ser citado — pelo menos era o que se previa até ontem à noite —, o governo brasileiro teme que seu maior parceiro comercial acelere o passo e desvalorize ainda mais o yuan para dar maior competitividade às suas exportações.

Para o Brasil, a China se tornou um problema duplo. De um lado, é uma ameaça à indústria nacional, com seus produtos ainda muito baratos. De outro, é o maior comprador de produtos básicos brasileiros (grão e minérios, principalmente). Se realmente o enfraquecimento do gigante asiático se confirmar — as estimativas apontam para expansão do Produto Interno Bruto (PIB) entre 6% e 7% nos próximos anos —, o país sentirá um baque na balança comercial, o que empurrará o dólar para um nível além do desejado, e nos resultados de empresas estratégicas, como a mineradora Vale, cujo lucro caiu 60% no segundo trimestre.

O desaquecimento chinês, por sinal já se reflete na cotação internacional do minério de ferro. O produto registrou ontem baixa pelo terceiro dia consecutivo na principais bolsas do mundo, devido à redução das importações da China, e já acumula perdas de quase 40% no ano. No caso do alumínio, o preço recuou 23% e o do cobre, 17%. Pelas contas dos especialistas, a nação asiática registrará, neste ano, o menor crescimento desde 1999 — em torno de 7,5%. Daí por diante, o resultado será sempre menor, ficando aquém dos 8% considerados confortáveis pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. "É melhor esquecermos taxas de expansão chinesa de dois dígitos. Isso acabou", assinalou o assessor do Palácio do Planalto.

Para que a desaceleração não seja maior, o governo chinês terá que incentivar a população a gastar mais, o que significa fazer quase um milagre em uma nação sem qualquer proteção social. No entender dos chineses, poupar é a única forma de ter acesso à educação, à saúde e à previdência. "As pessoas estavam acostumadas com um crescimento de dois dígitos, mas se agora a China crescer 7% ou 7,5%, já será muito", opinou a professora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV), Lia Valls. Segundo ela, o PIB chinês está caindo além do imaginado porque as exportações estão sofrendo o impacto negativo da retração da economia global, sobretudo da Europa.

Por isso, o governo lançou, recentemente, mais um pacote de estímulos, de quase US$ 160 bilhões, para aplicar em infraestrutura. O problema é que a China não pode pisar no acelerador por causa da inflação. Em 2008, os comandantes do país abriram os cofres com o intuito de garantir o crescimento mesmo com o mundo abalado pelo estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos. Só que a inflação disparou e, para retomar o controle dos preços, os chineses tiveram que aumentar as taxas de juros e conter o crédito. "A China ainda tem fôlego interno. Mas o desafio é aumentar o consumo sem pressionar a inflação", acrescentou Lia Valls.

Economista-chefe da Santander Asset Management, Hugo Penteado disse que, devido à imprevisibilidade do cenário, reviu as estimativas feitas no início do ano para o desempenho da economia chinesa. "Apesar de ter encerrado o ano passado com expansão de 9,3%, a queda nas exportações e o freio colocado pelo governo no mercado imobiliário poderiam provocar uma desaceleração para 6% em 2012", apontou.

Imperceptível Para Angelo Valladares, sócio do escritório Moura Tavares, Figueiredo, Moreira e Campos Advogados — que presta assessoria jurídica a empresas brasileiras interessadas em fazer negócios com a China —, as políticas adotadas pelo governo daquele país ainda não geraram bons frutos. "Os efeitos no consumo não são perceptíveis. Os chineses continuam poupando muito porque sabem que o Estado não vai garantir um sistema previdenciário amplo. Além disso, crediário não existe. Não há financiamento de bens não duráveis ou um sistema de varejo que permita às pessoas comprarem carros, televisões", conta Valladares, que foi à China três vezes no último ano.