Correio braziliense, n. 20446, 14/05/2019. Opinião, p. 11

 

Dia "D"

Carlos Marun

14/05/2019

 

 

Neste 14 de maio, acompanharemos um dos mais importantes julgamentos dos últimos tempos. Como o famoso Dia “D,” será um dia decisivo para a Democracia. A “batalha” não se dará em praias, mas no ambiente sagrado de um Tribunal. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai julgar o pedido de habeas corpus do presidente Temer contra a prisão preventiva decretada pelo juiz Bretas, no Rio de Janeiro.

Prisões são o recurso extremo e só podem ser decretadas ao fim de um devido processo legal, em que tenha sido garantida a possibilidade de a defesa esgrimir na plenitude seus argumentos. É assim que funciona em todas as nações civilizadas. Tanto que se discute aqui se  a prisão pode ser decretada após ser confirmada em segunda instância ou somente depois do trânsito em Julgado nos Tribunais Superiores.

É certo que devem existir exceções e, por isso, o Código de Processo Penal elenca claramente, em seu artigo 312, os casos em que esta ordem civilizatória pode ser ultrapassada. Pois bem, o presidente Temer está preso sem que contra ele exista qualquer condenação e sem que estejam presentes quaisquer dos citados requisitos. E, o que é pior, isso se tornou comum no Brasil.

Parece que muitos dos nossos operadores do direito não querem mais “perder tempo” com processos. Com essa chatice de oitivas, leitura de argumentação, perícia... Para que tudo isso se é só botar na cadeia e deixar? Se tem cara de jacaré, tira logo o couro... Nas sessões que julgam habeas corpus, é comum ver juízes proclamarem verdadeiras sentenças sem nunca terem ouvido os argumentos da defesa. Além disso, os que estão presos delatam com maior facilidade. Prende-se para delatar. Está havendo uma deturpação completa do instituto da prisão preventiva, em função da atuação perversa de alguns juízes e promotores/procuradores.

O seu objetivo em muitos casos hoje é, ou obter delações, ou antecipar penas. Vejo o primeiro caso como tortura e o segundo, como uma completa agressão à lei. São promovidos vazamentos seletivos que causam comoção e, depois, alega-se a comoção como causa para se manter a prisão preventiva. Parece que se busca a inversão de valores: querem a prisão preventiva como regra e o respeito ao direito ao devido processo legal como exceção. Em linguagem simples: primeiro prende-se e depois vão ver se existiam razões para isso. Hoje, o STJ decidirá se nos transformamos em uma republiqueta, que não respeita os direitos individuais, ou se será resgatado o Estado democrático de direito no nosso país.

O presidente Temer é um homem honrado, que não leva vida nababesca, que possui patrimônio conforme  as suas seis décadas de exitoso trabalho, que não tem conta no exterior e, em relação ao qual não existe qualquer prova concreta de atitude promotora de enriquecimento ilícito. Mas não é disso que se cuida agora. O importante neste momento é que ele não tem sequer uma única condenação, não é ameaça para ordem pública ou econômica, não teve qualquer atitude que sinalizasse fuga ou que atrapalhasse o andamento dos processos aos quais responde.

Portanto, ele não poderia estar preso. Simples, ssim. Cabe ao STJ, nesta sessão, decidir se viveremos sob o império da lei ou do arbítrio. Essa decisão servirá de balizamento para decisões que são ou serão tomadas em todo o país. Sei que neste momento muitos aplaudem atitudes arbitrárias. (...)

» Carlos Marun

Advogado, ex-ministro chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República