Valor econômico, v.20, n.4787, 08/07/2019. Política, p. A11

 

Ministro que decidiu a favor de magistrados faz articulação para STF

Andrea Jubé

08/07/2019

 

 

Autor da tese que facilitou a aposentadoria de juízes, dispensando-os da contribuição previdenciária no período em que exerceram a advocacia, o ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União (TCU), é irmão de magistrado, casado com uma ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e genro de um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na última semana, o entendimento seria estendido a mais seis processos de juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) que reivindicam aposentadoria nos mesmos termos, mas prevaleceu a cautela em aguardar o trânsito em julgado da matéria, aprovada por cinco votos a três.

Apesar do movimento para ampliar o alcance da medida aos procuradores federais, o Ministério Público junto ao TCU e a Advocacia-Geral da União (AGU) devem recorrer contra o benefício até o próximo dia 16. A palavra final deve ficar com o Supremo Tribunal Federal (STF), que aguarda voto de desempate do decano, ministro Celso de Mello.

O debate ganha corpo no momento em que os magistrados protestam contra a reforma da Previdência. Na sexta-feira, seis entidades representativas da magistratura e do Ministério Público divulgaram nota apontando injustiça com as regras de transição para obter o benefício integral, e diferença de tratamento em relação aos servidores civis estaduais e municipais e aos militares.

Na última terça-feira, o ministro Walton Alencar argumentou na sessão da Primeira Câmara do TCU que as críticas à decisão da Corte são indevidas, e se devem à insolvência da Previdência Social. "Como se todos os atos praticados no passado fossem novamente auferidos sob o prisma de uma necessidade real de uma previdência quebrada, a partir de privilégios concedidos pela legislação federal a algumas categorias", criticou.

Egresso da carreira do Ministério Público Federal, Alencar é casado com a ministra do STJ Isabel Gallotti, e articula nos bastidores a indicação dela para uma das vagas do STF que serão abertas a partir do ano que vem. O sogro de Alencar, Octávio Gallotti, foi ministro do Supremo. O irmão de Alencar, Douglas Alencar Rodrigues, é ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Ex-procurador-geral do MP junto ao TCU, Alencar é reconhecido pelo rigor nos julgamentos de aposentadorias de servidores federais que impliquem a averbação de tempo de serviço de trabalho rural sem contribuição previdenciária. Suas críticas recaem, em especial, sobre servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Em voto proferido na sessão de 28 de maio, Alencar ressalvou que a lei que facilitou a aposentadoria de trabalhadores rurais visava a beneficiar os "miseráveis do campo". O problema, segundo ele, é que passou a ser utilizada "por uma plêiade" de funcionários públicos, que por ter um tio com uma fazenda em algum lugar do país, já pediam uma declaração à Prefeitura ou ao sindicato, "e se beneficiavam de tempo de serviço rural", sem contribuição.

Assim como servidores recorrem a certidões de prefeituras ou sindicatos para averbar tempo de serviço rural, uma certidão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) atestará o tempo de advocacia dos magistrados, respeitado o limite de 15 anos.

Ao Valor, Alencar negou que tenha sido flexível na questão relativa à magistratura, em contraponto à austeridade adotada nas aposentadorias rurais. "Tento sempre julgar da forma mais condizente com a legislação aplicável. Se há fraudes, elas devem ser coibidas", justificou. Ele acrescenta que a "averbação de tempo rural por funcionários públicos foi grande fonte de fraudes e serviu para permitir aposentadorias indevidas", enfatizando que naqueles casos, a lei exigia expressamente a contribuição previdenciária.

A decisão que permitiu aos juízes averbar o tempo de serviço de advocacia com uma simples certidão da OAB ainda não é definitiva. Uma ala defende esperar o seu trânsito em julgado para aplicá-la a outros casos. Na sessão da Primeira Câmara no último dia 2, o ministro Benjamin Zymler pediu que não fossem incluídos novos processos sobre o tema na pauta até esgotar o prazo para os apelos. "Parece que haverá recurso", adiantou.

Diante da ponderação de Zymler, o ministro Vital do Rêgo retirou da pauta mais seis processos que avalizariam a aposentadoria de juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) da 7ª Região (CE), da 3ª Região (MG), da 14ª Região (AC), da 21ª Região (RN), e dois da 15ª Região (Campinas-SP) mediante certidão da OAB.

Vital pretendia colocar em pauta a ampliação da tese aos procuradores federais. "É legal para fins de aposentadoria de magistrados e membros do ministério público a contagem de tempo de serviço como advogado, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias", dizia a ementa de seu relatório no processo relativo ao TRT no Ceará.

Alencar ressalta que a aposentadoria de magistrados é questão regulada pela legislação específica dos magistrados - a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) - que permitia aos juízes o cômputo do tempo de serviço de advocacia, independentemente de contribuição. O ministro diz que o tema é tão complexo, que caberia ao Supremo decidir a controvérsia. O STF julga desde 2016 um mandado de segurança com o mesmo objeto, que está empatado em dois a dois, e aguarda voto de Celso de Mello há um ano.

A procuradora-geral do Ministério Público junto ao TCU, Cristina Machado, disse ao Valor que estuda recorrer da decisão. Ela pode pedir o reexame do caso ou oferecer embargos de declaração A Advocacia Geral da União (AGU) também pode entrar no processo na qualidade de "interessada".