Valor econômico, v.20, n.4799, 24/07/2019. Brasil, p. A2

 

'É impossível esconder a verdade para sempre', diz climatologista 

Daniela Chiaretti 

24/07/2019

 

 

"O Brasil tem o melhor sistema de monitoramento de florestas tropicais do mundo", diz o climatologista brasileiro Carlos Nobre, 35 anos de trabalho no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. O instituto, referência mundial no monitoramento do desmatamento da Amazônia, vem sendo criticado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.

Nobre, um dos mais renomados climatologistas do mundo, usa os dados do Inpe em seus estudos e análises há décadas. Ele lembra que os números do desmatamento da Amazônia apurados pelo instituto são públicos desde 2002 e elogia a transparência. "Qualquer falta de transparência é muito prejudicial à economia e, no caso de alteração do uso da terra, ao agronegócio", diz ele, hoje pesquisador aposentado do Inpe e membro da Academia Brasileira de Ciências. "Ninguém consegue esconder a verdade para sempre".

"O Prodes é o sistema mais preciso que existe para estimar a área desmatada do bioma amazônico", continua, referindo-se ao programa que utiliza imagens do satélite Landsat e produz, desde 1988, as taxas anuais do desmatamento na região. A margem de erro do Prodes é de apenas 5% a 6%, registra. O método combina uma análise inicial feita com algoritmos de inteligência artificial- que compara imagens de uma mesma região e detecta áreas que foram modificadas, precisando o tamanho da alteração - e depois o escrutínio de pesquisadores especialistas.

Sistemas de monitoramento apenas automáticos têm margem de erro de quase 20%.

O Prodes surgiu em 1989, o que significa uma série histórica de 30 anos. Até 2001 o governo divulgava apenas o número do desmatamento anual. Em 2002 começou a tornar público o padrão espacial, os mapas, as taxas por Estado. Sua resolução é de 6,25 hectares.

Em 2004, com a explosão do desmatamento (que atingiu os 27 mil km 2), técnicos do Inpe desenvolveram o sistema Deter que usava imagens de dois satélites (hoje são de quatro) que passavam pela mesma região duas vezes ao dia. Se o Prodes é mais preciso, o Deter identifica alterações no uso da terra diariamente. O dado é imediatamente comunicado ao Ibama. "É uma ferramenta excepcional, que direciona inúmeros esforços do governo federal para conter o desmatamento", diz. A margem de erro do Deter é de 10%.

Nobre diz que o desmatamento ilegal costuma ser 70% a 80% das áreas abertas na Amazônia. "É muito importante que o Brasil continue a divulgar estes dados publicamente. Estamos entre os líderes mundiais nesta área científica. É importante que continuemos mantendo essa liderança."

"Acredito que nós, cientistas brasileiros, devemos sempre lutar pela ciência", diz ele. "Infelizmente movimentos anti-ciência têm crescido em nível mundial, até mesmo em países desenvolvidos".

Nobre reforça o quanto o desmatamento é prejudicial ao ambiente e ao agronegócio, tanto em termos econômicos como de imagem. "A diminuição das florestas e dos biomas tem efeito direto em diminuir a capacidade de resiliência da agricultura brasileira às mudanças climáticas, às secas, às chuvas intensas", diz.

Um esforço de estimular o conhecimento sobre o quanto o sensoriamento remoto é essencial para orientar as atividades produtivas foi feito em maio de 2018, durante seminário que reuniu empresas e associações setoriais, Academia, bancos e organizações da sociedade civil. Foi promovido pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. O movimento, fundado em 2015, reúne 201 empresas e associações do agronegócio como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Indústria Brasileira de Árvores (Ibá, que reúne empresas de papel e celulose) e Sociedade Rural Brasileira (SRB). Também agrega organizações não governamentais como WRI, WWF e Ipam, além de bancos, cientistas, e institutos de pesquisa.

Do evento resultou um relatório coordenado por Nobre e que abordou a geração e análise dos dados do sensoriamento por diversas metodologias. O material aborda desde políticas públicas que surgem do monitoramento até a aplicação pelo setor financeiro. Com tais tecnologias é possível acompanhar mudanças nos padrões de cobertura vegetal dos biomas, áreas de pastagens, lugares em regeneração, o tamanho dos passivos ambientais das propriedades rurais e o quanto o combate ao desmatamento está tendo efeito, por exemplo.

Do encontro participaram 200 pessoas. "Um evento que busca resultados de entendimento de conceitos claros é fundamental para políticas públicas", disse, em vídeo da Coalizão, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. "Como se irá fazer políticas públicas defendendo o crescimento de um setor ou outro sem o conhecimento real do uso da terra no Brasil inteiro?" questionou Rodrigues, coordenador do GV Agro.