O Estado de São Paulo, n. 45812, 23/03/2019. Internacional, p. A16

 

Bolsonaro descarta ação militar contra Maduro após filho cogitar uso da força

Ricardo Galhardo

Daniel Weterman

23/03/2019

 

 

Desencontro. ‘Tem gente divagando’, disse o presidente sobre a possibilidade de intervenção, após cúpula em Santiago, onde oito países assinaram texto de criação do Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), novo bloco regional que substituirá a Unasul

No dia em que foi criado um novo bloco regional que exclui a Venezuela, o Prosul, o presidente Jair Bolsonaro descartou a possibilidade de apoiar uma intervenção militar para derrubar Nicolás Maduro. A declaração foi dada após o jornal chileno La Tercera publicar ontem uma entrevista de seu filho, Eduardo Bolsonaro, sugerindo que “de alguma forma será necessário usar a força” contra Nicolás Maduro.

“Ninguém quer uma guerra. A guerra é ruim, há muitas vidas perdidas, há consequências colaterais, mas Maduro não vai deixar o poder de forma pacífica. De alguma forma, será necessário usar a força, porque Maduro é um criminoso”, disse Eduardo, em uma entrevista gravada em vídeo e veiculada na internet, após ser questionado sobre sua opinião pessoal.

Mais tarde, à imprensa brasileira, o deputado recuou e garantiu que o jornal chileno exagerou. Ele afirmou que não fez nada além de repetir a posição do presidente dos EUA, Donald Trump. “Militarmente, está descartada (intervenção). É que o Trump fala, todas as cartas estão sobre a mesa. E todas as cartas são todas as cartas. Ninguém quer intervir militarmente”, disse. “O presidente e os generais que estão tratando disso têm dito que não é uma opção.”

Bolsonaro esclareceu a posição do governo. “Tem gente divagando, tem gente sonhando. Da nossa parte, não existe essa possibilidade”, afirmou o presidente, ao deixar o Palácio La Moneda, sede do governo chileno, onde 11 países se reuniram e 8 se comprometeram com a criação do Prosul, novo bloco regional. Bolsonaro falou que a “ditadura” na Venezuela se fortalece na “fraqueza de Nicolás Maduro”, porque não é ele quem decide questões naquele país, mas alguns generais, narcotraficantes, milícias e cubanos.

Em entrevista à Televisão Nacional do Chile, ele relatou que a palavra “militar” não foi mencionada na conversa que teve com o presidente dos EUA, Donald Trump. “O Brasil não tem nenhuma pretensão de militarmente ingressar na Venezuela”, declarou, ainda segundo a tradução. Ele lembrou que Trump declarou que todas as possibilidades estão sobre a mesa.

Na entrevista, o presidente cobrou da alta-comissária da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet, um posicionamento mais firme em relação à Venezuela.

Na maior parte da entrevista, que durou seis minutos, ele foi questionado sobre declarações anteriores e acusações de que é machista e homofóbico. Em resposta, o brasileiro declarou que o entrevistador estava tentando constrangê-lo e não era possível ser qualificado assim porque foi eleito com voto de minorias.

Bloco regional. Os presidentes do Brasil, Chile, Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru assinaram ontem, em Santiago, a criação do Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), novo bloco regional que vai substituir a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

As principais exigências para o ingresso no grupo são “a plena vigência da democracia, das respectivas ordens constitucionais, o respeito ao princípio da separação dos poderes do Estado e a promoção, proteção, respeito e garantia dos direitos e liberdades humanos”.

Depois da cúpula, Bolsonaro disse que a cláusula é um recado para o regime de Maduro. O Prosul, declarou Bolsonaro, foi idealizado porque os países que assinaram a declaração para a criação do organismo não querem que aconteça o mesmo que ocorreu na Venezuela em seus territórios. Blocos existentes, como o Mercosul, têm cláusulas democráticas.

A declaração reforça o respeito ao multilateralismo e aos mecanismos de direito internacional. “Reafirmamos que a integração é uma ponte para o fortalecimento do multilateralismo e a plena vigência do direito internacional”, diz o texto.

De acordo com a assessoria de imprensa do Itamaraty, o texto não contraria a política do chanceler Ernesto Araújo, defensor do bilateralismo e crítico contumaz do “globalismo” representado pelos mecanismos de direito internacional. A declaração de Santiago afirma que a América do Sul deve ser preservada como “zona de paz” e o respeito à integridade territorial dos países da região.

Um representante da Guiana também assinou o documento. Bolívia, Uruguai e Suriname enviaram representantes ao encontro, mas não aderiram ao novo bloco. O Chile, autor da iniciativa, vai presidir o Prosul pelos próximos 12 meses. A seguir, a presidência será ocupada pelo Paraguai.