Valor econômico, v.20, n.4795, 18/07/2019. Brasil, p. A4

 

Governo estuda saques periódicos no FGTS 

Fabio Graner 

18/07/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro analisa duas alternativas de propostas de saque de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Em uma delas, as medidas sugeridas atingiriam igualmente contas ativas e inativas, com percentuais de saques escalonados conforme o saldo do trabalhador, mas também implicariam na retenção dos recursos em caso de demissão sem justa causa, deixando menos dinheiro disponível ao trabalhador desempregado. A outra alternativa que seria apresentada ao presidente contemplaria apenas a liberação das contas inativas.

A proposta de autorizar o acesso parcial ao dinheiro das contas ativas do fundo seria uma espécie de "décimo-quarto" salário para os trabalhadores, segundo uma fonte, e que teria caráter permanente, repetindo-se todos os anos. Não havia intenção de uma liberação inicial imediata para todos os cotistas, o que dilui o impacto econômico da medida.
O formato de liberação na data de aniversário visa também evitar que o fundo seja descapitalizado e mantenha-se como fonte de financiamento para o setor imobiliário. "Não haverá redução de funding para habitação", garantiu esse interlocutor.

Mesmo assim, há avaliações de que a medida vai implicar em perda para o setor porque o dinheiro sacado, mesmo que seja de parte da conta, provavelmente será direcionado para consumo de bens de menor valor, e não mais para aquisição de imóveis, que tem perfil de investimento de longo prazo.

Entre as propostas em análise, estava uma liberação de 35% do saldo para os cotistas com valor até R$ 1 mil - havia também uma ideia de estender essa faixa de 35% até R$ 5 mil, mas que tinha perdido força. Haveria seis ou sete outras faixas de porcentuais de saque. Acima de R$ 50 mil, por exemplo, a ideia era permitir saque de 10% do saldo.

A premissa que está norteando o conceito de saque das contas ativas é que o dinheiro pertence ao trabalhador e cabe a ele definir o que fazer com ele. Nesse sentido, a visão é que o FGTS representaria uma má alocação de recursos e que deixar o dinheiro parado lá, apenas como funding habitacional, não seria o melhor caminho econômico.

A ideia de impedir o saque no momento da demissão sem justa causa seria uma estratégia para diminuir os movimentos de demissões forjadas (acertadas informalmente entre empregados e empregadores) e teria como contrapartida um aumento da rentabilidade do fundo (hoje TR, que está zerada, mais 3% ao ano), segundo explicação de uma fonte.

A medida, contudo, promete polêmica, uma vez que reduzirá o dinheiro para o trabalhador que perder o emprego em um momento mais complicado, apesar de estar previsto que ele receba os 40% de multa rescisória. Também não está claro o que será feito com a parte retida. Para render mais, provavelmente o caminho será permitir a aplicação em fundos mais arriscados do setor privado.

Além da liberação do FGTS, que deve injetar algum ânimo na deprimida demanda da economia, outra iniciativa que deve ser anunciada pelo governo é a liberação dos saques das contas do PIS/Pasep. A iniciativa teve duas rodadas de liberação no governo Michel Temer. O governo acredita que, dos R$ 22 bilhões de saldo remanescente, apenas cerca de R$ 2 bilhões devem ser retirados.

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Fundos ajudam consumo, mas afetam pouco o PIB

Ana Conceição 

18/07/2019

 

 

A liberação dos recursos do FGTS e do PIS-Pasep vai dar algum impulso de curto prazo ao consumo das famílias, como ocorreu em 2017, mas não deve produzir um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) muito maior do que já previsto. As estimativas giram em torno de um impacto de 0,50 ponto percentual distribuído entre este e o próximo ano, a depender do calendário dos resgates.

O governo estuda liberar o saque de 10% a 35% do saldo das contas ativas do fundo, dependendo do volume de recursos de cada uma, numa conta que deve chegar a R$ 42 bilhões. Quem tem menos saca um percentual maior. Também serão liberados R$ 21 bilhões do PIS/Pasep.

Economistas consideram que as condições financeiras das famílias são melhores que as em 2017 - com queda do endividamento, da inadimplência e dos juros - e assim, teoricamente, teriam mais espaço para gastar. Mas qualquer efeito sobre a atividade é de curta duração. Há dois anos, foram liberados R$ 44 bilhões de contas inativas do FGTS. "É como um choque de adrenalina. Mas depois o efeito não se sustenta", diz Rafael Leão, economista-chefe da Parallaxis Consultoria, que estima impacto entre 0,30 e 0,50 ponto percentual ao longo do período de liberação.

O economista estava prestes a baixar a estimativa para o PIB deste ano, de crescimento de 0,8% para 0,5%, mas, a depender dos detalhes da liberação do fundo, como prazo e faixas de renda que receberão o benefício, essa revisão pode não ocorrer. A atividade econômica não dá mostras de reação, por isso a ideia inicial de revisão.

"Pode ser que tenhamos recessão técnica no segundo trimestre e não há indícios de melhora para o resto do ano", diz Leão.

Se o FGTS tem grande potencial de saque, o mesmo não se pode dizer do PIS/Pasep, que o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, estima em R$ 2 bilhões. "Já houve tentativa de liberação desses recursos. As pessoas, talvez por falta de informação, não sacam." Considerando uma liberação de R$ 44 bilhões a partir de agosto, de FGTS e PIS-Pasep, o impacto poderia chegar a 0,50 ponto percentual no PIB, diz Nishida, mas os efeitos seriam mais sentidos em 2020. "Nosso modelo estrutural aponta que cada R$ 1 liberado aumentaria o PIB em outro R$ 1", diz, acrescentando que o cálculo leva em conta o impacto direto, via consumo, e indireto, via abatimento de dívidas [que abriria espaço para mais endividamento], e até mesmo emprego.

Segundo Nishida, os cálculos são preliminares porque não há detalhes sobre as regras de saque. Seja como for, a consultoria mantém a estimativa de crescimento de 1% no PIB deste ano, pois já contava com alguma medida de estímulo ao consumo. O consenso do mercado está em 0,8%. "Obviamente, não é isso que vai fazer o país retomar a trajetória de crescimento", pondera.

Flavio Serrano, economista-chefe do banco Haitong, diz que o crescimento já foi muito comprometido no primeiro semestre e por isso o PIB não deve exibir avanço maior que 1% neste ano, mesmo com o FGTS. O escalonamento na liberação das contas - quanto menor o saldo, maior o percentual de saque - pode dar uma potência maior ao consumo, considera. "Isso beneficia famílias de renda mais baixa, que tendem a consumir mais quando têm um recursos extra", afirma o economista do banco chinês.

Ele pondera ser difícil fazer uma conta de quanto um eventual aumento do consumo das famílias puxado pelo FGTS pode influenciar o PIB, mas lembra que em 2017 esse componente do produto cresceu 1,2% e 1,1% no segundo e terceiro trimestres, na série com ajuste sazonal. O PIB desses períodos avançou 0,3% e 0,1%, respectivamente. Naquele ano, o PIB cresceu 1%.

Nishida chama atenção para o fato de que a liberação das contas ativas, em vez de inativas, requer maior cautela do governo já que elas são responsáveis pelo funding de projetos de infraestrutura e habitação.