O globo, n. 31347, 04/06/2019. País, p. 4

 

Cortejo e divisão

Natália Portinari

04/06/2019

 

 

Governo tenta atrair deputados, mas ainda enfrenta desconfiança

Em meio a tentativas para melhorar a articulação política com o Congresso Nacional, a promessa do Planalto de liberar R$ 10 milhões por semestre para cada deputado que votar a favor do governo vem dividindo as bancadas. A ideia é que, até 2020, a verba seja direcionada pelos ministérios a prefeituras da preferência dos parlamentares.

Quatro deputados ouvidos pelo GLOBO confirmaram a proposta apresentada pelo ministro Onyx Lorenzoni durante o mês passado. O objetivo é que o dinheiro seja usado para parlamentares apadrinharem obras em seus redutos e que os nomes dos deputados estejam nas placas das inaugurações.

A aproximação já tem adeptos no PSD, PRB e PSDB. O líder do Podemos, José Nelto (GO), diz que liberou os deputados para aceitarem a proposta se desejarem. Ele critica colegas que resistem às negociações:

— Eles (do centrão) querem parar o Brasil? O governo tem que articular. O Podemos se mantém independente, mas os deputados estão livres para negociar.

No centrão, no entanto, ainda há resistências, principalmente entre integrantes do PR, PP e Solidariedade. Desconfiados do governo, que os ataca em seus discursos, ressentem-se de terem sido excluídos dos ministérios de Bolsonaro. Além disso, coma aprovação da P EC do Orçamento Impositivo, dizem os líderes, não vão precisar do Executivo para direcionar dinheiro para obras em suas cidades.

O líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), diz que não proibiu deputados do partido de aceitarem os recursos para os redutos, mas não irá intermediar a negociação:

— O que Onyx tem dito, pelo menos nas conversas das quais participei, é que, depois de votada a reforma, vai ser destravado o Orçamento, e as obras que forem realizadas nos municípios ou nos Estados vão prestigiar os deputados que votarem com o governo.

Wellington Roberto (PRPB) diz que seu partido não vai aceitar a verba, já que não integra a base do governo. Ele aposta que “muita gente vai levar calote” do governo se confiar nos R$ 10 milhões. O deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) também diz que irá recusar a promessa, mesmo apoiando a reforma.

Casa civil nega troca

Procurada sobre a oferta de cargos e verba, a Casa Civil disse se tratar de “ficção”: “Quem precisava comprar votos era o PT, que era corrupto e não tinha projeto para o país. Este governo não se assemelha em nada àqueles e nem o Congresso é o mesmo que o PT estava acostumado a lidar. A marca deste governo é o diálogo e as relações republicanas, pautadas pela ética e o respeito à população. Essa é a boa política. Eventuais recursos que venham a ser liberados para atendimento de demandas legítimas da população estarão dentro dos preceitos legais e éticos e não se confundem, em nada, com as práticas corruptas do PT.”

O governo tem buscado atrair parlamentares para a base. Em fevereiro, Onyx prometeu liberar emendas para deputados que votassem com o governo. Depois, porém, os recursos foram contingenciados.

O ministro também ofereceu ao PP cargos na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Rio São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e no Banco do Nordeste. A sigla acabou não aceitando a proposta. Bolsonaro negociou ainda a recriação do Ministério das Cidades para contemplar um aliado de Rodrigo Maia (DEMRJ), presidente da Câmara, medida que acabou sendo cancelada na véspera das manifestações pró-governo.

Na votação da Medida Provisória da reestruturação administrativa, as promessas de verba e cargos foram apontadas como responsáveis por uma dissidência. Oito deputados do PRB e 30 do PSD votaram para manter o Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf ) com o ministro Sergio Moro na Justiça, contrariando o centrão. Interlocutores também dizem que deputados do PSDB já estão coletando sugestões de municípios que podem ser contemplados com verbas.

O PT e o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), entraram com representações no Ministério Público Federal, em que pedem a apuração do repasse de verbas. A deputada Rosa Neide (PT-MT) esteve em um encontro do ministro da Educação, Abraham Weintraub, com reitores do Mato Grosso. Segundo ela, o ministro disse que o governo vai pagar R$ 10 milhões a deputados e R $15 milhões a senadores que votarem pela reforma, o“que pode ser direcionado para resolver o problema das universidades e dos institutos”.

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Porta-voz: Planalto tem planejamento bem definido

Gustavo Maia

Jussara Soares

Bruno Góes

Eduardo Bresciani

04/06/2019

 

 

Rêgo Barros diz que Bolsonaro não comentou diretamente críticas de Rodrigo Maia, mas acredita que ações estão claras

Questionado na noite de ontem sobre as declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que o Executivo não tem uma agenda formulada para o Brasil, o porta-voz do Palácio do Planalto declarou que o presidente Jair Bolsonaro tem “um planejamento bem definido” para desenvolver a economia e combater a corrupção, entre outras medidas. Segundo Otávio Rêgo Barros, no entanto, Bolsonaro não comentou diretamente a fala de Maia.

O diagnóstico do presidente da Câmara foi feito em entrevista ao GLOBO, publicada ontem. Para o parlamentar, o país está caminhando para o “colapso social”. Ele voltou a insistir na necessidade da reforma da Previdência, mas alertou que só isso não resolve os problemas do Brasil.

— O presidente não comentou a afirmação do presidente da Câmara, porém acredita que as diversas iniciativas que estão sendo desencadeadas pelos ministérios representam que o governo tem um planejamento bem definido de retomar o crescimento econômico, estimular o desenvolvimento nacional, combater a corrupção e os crimes violentos, além de resgatar valores e tradições da cultura nacional —declarou o porta-voz.

Na entrevista, Maia foi questionado se a relação com o presidente Bolsonaro melhorou ou vai ser de idas e vindas. Ele disse não saber:

— Da minha parte é uma relação de diálogo, de construção de uma pauta que tire o Brasil do caminho que está indo, de um colapso social muito forte. Para onde a gente está indo não é bom.

As declarações de Maia também repercutiram na Câmara. O líder do PSL na Casa, Delegado Waldir (GO), e a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), rebateram Maia e afirmaram que a gestão de Bolsonaro tem, sim, uma agenda para o país.

— Discordo. Tem uma agenda. Existe uma linha. Temos um programa de governo. A agenda do governo é a reforma da Previdência, tributária, pacto federativo. Cada ministério tem sua própria pauta também — disse Waldir.

A deputada Joice Hasselmann ressaltou que o governo começou agora e “é preciso dar um tempinho”.

— O governo tem uma agenda ampla para o país. Acontece que tudo tem um começo, meio e fim. O começo é essa agenda econômica que envolve as grandes reformas para o Brasil, incluindo a principal delas, que é a reforma da Previdência.

Então, a agenda do governo não acaba na reforma da Previdência. Na verdade, começa. E aí, a gente tem mais de três anos e meio pela frente. Começamos agora. É preciso dar um tempinho — afirmou Joice Hasselmann.