Valor econômico, v. 20, n. 4798, 23/07/2019. Especial, p. A12

 

Bolsonaro tira órgãos civis de conselho sobre drogas

 

 

 

Executivo Presidente vê ideias de esquerda e quer fim de colegiados

Fabio Murakawa

Carla Araújo 

 

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que não pode "ficar refém de conselhos", que muitas vezes são compostos por pessoas "indicadas por outros governos". Falando a jornalistas após almoço no Comando da Aeronáutica, em Brasília, Bolsonaro disse ainda que quer extinguir "a grande maioria" desses colegiados.

Bolsonaro fez as afirmações ao comentar o decreto, firmado por ele e publicado ontem no "Diário Oficial da União", que modificou a composição do Conselho Nacional de Política sobre Drogas (Conad).

O ato retirou do colegiado todas as vagas destinadas à sociedade civil. Perderam assento um jurista, indicado pela OAB; um cientista, indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); um médico, indicado pelo Conselho Federal de Medicina; um psicólogo, indicado pelo Conselho Federal de Psicologia; um educador, indicado pelo Conselho Nacional de Educação; um assistente social, indicado pelo Conselho Federal de Serviço Social; um enfermeiro, indicado pelo Conselho Federal de Enfermagem; e um estudante, indicado pela União Nacional dos Estudantes (UNE).

"Como regra, a gente não pode ter conselho que não decide nada. Dada a quantidade de pessoas envolvidas a decisão é quase impossível de ser tomada", justificou Bolsonaro, ao ser questionado sobre as mudanças no Conad. "Nós queremos enxugar os conselhos, extinguir a grande maioria deles para que o governo possa funcionar. Não podemos ficar reféns de conselhos, muitos deles por pessoas indicadas por outros governos."

Sobre o Conad, Bolsonaro afirmou que ele "tinha mentalidade diferente no tocante à droga".

"Meu governo é contra a descriminalização das drogas. É diferente a nossa proposta da de governos anteriores, que eram favoráveis ou em cima do muro", afirmou o presidente.

Horas depois, ele usou o Twitter para, de uma maneira mais incisiva, reafirmar sua avaliação sobre o funcionamento desses órgãos: "Há décadas a esquerda se infiltrou em nossas instituições e passou a promover sua ideologia travestida de posicionamentos técnicos", escreveu o presidente. "O decreto que assinei hoje [ontem] extingue vagas para órgãos aparelhados no Conselho Nacional sobre Drogas e acaba com o viés ideológico nas discussões."

Logo em seguida, soltou outro tuíte, todo em letras maiúsculas: "NÓS SOMOS CONTRA A LIBERAÇÃO DAS DROGAS!".

Permanecem no órgão majoritariamente representantes do governo federal: os ministros da Justiça e da Cidadania; representantes dos ministérios da Defesa, das Relações Exteriores, da Economia, da Educação, da Saúde, da Mulher, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Também compõem o colegiado os secretários de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e de Cuidados e Prevenção às Drogas do Ministério da Cidadania, além de um representante de órgão estadual responsável pela política sobre drogas e de um membro de conselho estadual sobre drogas.

Algumas das entidades extirpadas do Conad se manifestaram ontem majoritariamente lamentando a medida. Em nota, a OAB expressou "sua preocupação" com a exclusão das entidades.

"O tema é de grande complexidade e gravidade, com um número elevado de brasileiros que sofrem com as drogas, principalmente os jovens", disse a nota. "Essa situação demanda um esforço que só poderá ter resultados com o envolvimento da sociedade civil, estudiosos e especialistas para o enfrentamento do problema."

O Conselho Federal de Serviço Social considerou a medida "autoritária e antidemocrática". Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) afirmou que "está analisando o decreto e o impacto da medida e somente se pronunciará após a conclusão desses trabalhos".