Valor econômico, v.20, n.4795, 18/07/2019. Brasil, p. A9

 

MEC quer mais verba privada em federais, mas plano cria dúvidas 

Luísa Martins 

Hugo Passarelli 

 

 

O Ministério da Educação (MEC) oficializou ontem seu projeto para aumentar a participação de recursos privados no orçamento das universidades federais. A pasta espera entre 15 e 20 adesões assim que o programa, chamado Future-se, seja aprovado no Congresso Nacional.

Apesar de ter apresentado as linhas gerais da iniciativa, o MEC ainda vai definir as métricas que cada instituição terá de seguir para ter acesso à verba extra do Future-se. Ao entrar no projeto, elas terão de “adotar as diretrizes de governança que serão futuramente definidas”, diz o documento, que estará em consulta pública durante um mês e, duas semanas após esse período, vai para o Congresso Nacional.

O projeto prevê um fundo de R$ 102,6 bilhões, administrado por uma instituição financeira a ser definida. Os recursos serão distribuídos como uma espécie de recompensa para as universidades públicas que melhor avançarem em temas como empreendedorismo, gestão, pesquisa e internacionalização.

Caberá ao comitê gestor, formado por representantes dos ministérios, a definição de parâmetros para medir esses resultados, assim como a distribuição dos recursos. Caso descumpra algum indicador, a universidade pode ser excluída do Future-se.

A maior parte da verba do fundo (R$ 50 bilhões) vem de imóveis da União, que depois devem ser convertidos em fundos de investimento imobiliário (FII).

Outros R$ 33 bilhões são de fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Leis de incentivos fiscais e depósitos à vista representarão R$ 17,7 bilhões. O Future-se também vai contar com R$ 1,2 bilhão de recursos de cultura (para bibliotecas e museus, por exemplo, captados via Lei Rouanet). Por último, R$ 700 milhões virão de outras fontes, como da utilização econômica de espaços públicos e de fundos patrimoniais.

O MEC não detalhou as leis que seriam alteradas para aprovar o projeto, mas afirmou que não vai mexer em regras constitucionais para facilitar a tramitação. “A ideia é que entre em vigor ainda neste ano”, estimou o ministro Abraham Weintraub, negando uma suposta privatização do ensino público.

Além do dinheiro que será distribuído por meio do fundo federal, cada universidade poderá captar diretamente no mercado. Essa arrecadação pode ocorrer por meio de contratos de cessão, concessão, fundos de investimento e parcerias público-privadas. Também ficará autorizado que empresas “batizem” prédios universitários em troca do patrocínio a iniciativas.

Segundo o secretário de Ensino Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, o empreendedorismo será a tônica do projeto, com previsão de recompensas para as principais inovações universitárias, em um cenário de consolidação de startups.

Outro pilar é a concepção de que em qualquer universidade a formação e a pesquisa devem ser voltadas para o mercado de trabalho. “Por ser pública, a universidade pode gerar externalidades positivas à sociedade”, diz.

O secretário nega que apenas pesquisas de retorno financeiro evidente serão privilegiadas pelos patrocinadores. Mas diz que o fundo soberano pode atuar para financiar outros projetos menos atraentes ao setor privado.

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, manifestou preocupação sobre a exploração das patentes pela iniciativa privada, gerando um custo mais alto ao consumidor final. “Investimento tem que ter limite, senão passa a ser venda de pesquisa”, alertou.

Professores poderão entrar como sócios ou coautores desses projetos e, a partir disso, incrementar sua renda. Os docentes também vão receber prêmios em dinheiro por publicação de artigos em revistas científicas de renome. “O professor universitário poderá ser muito rico”, projetou.

Do lado dos estudantes, o governo ressaltou que “o jovem vai ser libertado da perspectiva de ter de arrumar um emprego ou prestar concurso público, pois serão empreendedores e donos dos próprios destinos”.

A operacionalização do Future-se ocorrerá por meio de contratos de gestão firmados pela instituição de ensino com organizações sociais, entidades de caráter privado ligadas a atividades de ensino, pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico.

As organizações sociais vão atuar sobretudo no cumprimento dos três eixos do Future-se. Segundo Barbosa, nada impede que essas entidades tenham papel mais atuante no projeto pedagógico. O secretário ainda explica que uma mesma entidade poderá prestar serviços a mais de uma instituição de ensino.

A adesão das universidades será voluntária, mas Barbosa ponderou que as instituições que decidirem não fazê-lo ficarão sujeitas a contigenciamentos e às limitações do teto de gastos.

Quem entrar no Future-se terá de adotar integralmente as regras, o que desagradou à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). “As universidades são diversas e determinar que todas sigam um padrão é desconhecer isso”, disse João Carlos Salles, vice-presidente da entidade.

Segundo Salles, não se pode, em nome de mais recursos, quebrar a autonomia universitária. “Se restringir o funcionamento das universidades, vai contra o nosso conceito”, disse, reclamando de o MEC não ter ouvido os reitores na elaboração do projeto.

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Mensalidade poderia gerar R$ 10 bi ao ano 

Beth Koike 

18/07/2019

 

 

A cobrança de mensalidades em universidades públicas poderia gerar uma arrecadação anual de R$ 10,4 bilhões, o que representa 20% do orçamento das universidades federais deste ano. O estudo foi elaborado pelo Semesp, sindicato das instituições do ensino superior privado, que considerou como critérios de cobrança as regras do Fies, programa de financiamento estudantil do governo voltado a alunos com renda per capita de até três salários mínimos. Ou seja, a proposta, a ser levada ao Ministério da Educação (MEC), é que os alunos das universidades públicas com renda acima de três salários paguem 100% da mensalidade e os com rendimento inferior desembolsem até 50% da parcela.

Segundo o levantamento, que usou como base de dados os alunos matriculados na rede pública em 2017, 45,5% têm condições para arcar com parte ou toda a mensalidade. Os dados mostram que 46% dos universitários têm renda de até quatro salários mínimos, 43% possuem rendimento entre quatro e 12 salários e 11% dos alunos ganham acima desse valor. Em 2017, havia 1,9 milhão de matriculados nas universidades públicas do país.

Para chegar na arrecadação de R$ 10,4 bilhões, o Semesp considerou os valores médios das mensalidades praticados no setor privado (ver tabela acima).

A proposta do Semesp é que esses recursos sejam revertidos para o Fies. “Levando em consideração um curso com uma mensalidade de R$ 1 mil, que é valor médio no setor privado, seria possível financiar 856 mil alunos pelo Fies com a arrecadação nas universidades públicas”, disse Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp. O orçamento do Fies é de R$ 500 milhões neste ano para 100 mil vagas.

Questionado se a adoção da cobrança não limitaria o acesso de estudantes de baixa renda à universidade, em especial, daqueles que hoje que ingressam no ensino superior público por meio de cotas de renda, Capelato disse que nesse caso o Fies seria acessível também aos alunos das instituições públicas. “Mas concordo que a questão da renda do Fies precisa ser discutida porque é um valor muito baixo. No fim, poucos alunos conseguem contratar o financiamento porque a maior parte não se enquadra às exigências do programa”, disse.

Pelas regras atuais do Fies, um aluno com renda per capita de meio salário mínimo matriculado num curso com mensalidade de R$ 1 mil ainda precisa pagar 17% desse valor. Para aqueles com rendimento de um salário paga-se 40% da mensalidade. Não à toa, menos de 55% das 100 mil vagas ofertadas no primeiro semestre foram preenchidas.