O globo, n. 31347, 04/06/2019. País, p. 6

 

A criptonita do presidente

Bernardo Mello Franco

04/06/2019

 

 

Depois de 28 anos no Congresso, Jair Bolsonaro conseguiu vender a imagem de que não era um político profissional. Agora que se instalou no Planalto, ele tenta convencer a plateia de que tem o pior emprego do mundo.

Em entrevista à “Veja”, o presidente descreveu o cargo como um fardo pesado. “Imaginava que ia ser difícil, mas não tão difícil assim. Essa cadeira aqui é como se fosse criptonita para o Super-Homem”, comparou. Não foi a primeira vez que ele reclamou da tarefa de governar.

Antes de completar dois meses no cargo, Bolsonaro disse se sentir “em prisão domiciliar, sem tornozeleira eletrônica”. “Viver no Alvorada é chato”, acrescentou, esnobando o palácio onde tem piscina, sala de jogos e cinema particular ao seu dispor.

Em Israel, o presidente voltou a falar em tom de desabafo. “Nós sabemos que o Netanael é passageiro, daqui a pouco muda. Eu também sou passageiro no Brasil. Graças a Deus, né? Imagina ficar o tempo todo com esse abacaxi”, disse. O tal Netanael, o premiê Benjamin Netanyahu, não opinou sobre a metáfora.

De volta a Brasília, Bolsonaro cunhou outra frase para a história. “Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar”, disse. “Eu às vezes pergunto, olho para Deus e falo: ‘Meu Deus, o que é que eu fiz para merecer isso?’ É só problema”, queixou-se.

Na conversa com a “Veja”, o presidente carregou ainda mais no drama. “Já passei noites sem dormir, já chorei pra caramba também”, disse. Questionado sobre a razão do sofrimento, ele foi sucinto: “Angústia, né?”. Em seguida, emendou outro discurso sobre a falta de patriotismo dos políticos. Os que discordam dele, é claro.

Apesar de tanto sacrifício, Bolsonaro não parece contar os dias para deixar o poder. Pelo contrário. Na entrevista em que comparou a cadeira a um mineral radioativo, ele admitiu que pretende disputar a reeleição. Disse que só não será candidato se o Congresso aprovar “uma boa reforma política, que diminuiria o número de parlamentares para 400”.

É mais fácil o Super-Homem tomar suco de criptonita no café da manhã.

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Projeto anticrime terá campanha publicitária

Jussara Soares

04/06/2019

 

 

Propaganda da proposta do ministro Sergio Moro será lançada dia 12 e terá depoimentos reais de vítimas de violência; governo adotou estratégia semelhante para defender a reforma da Previdência

O governo Jair Bolsonaro lança na próxima semana a campanha publicitária pela aprovação no Congresso do pacote anticrime, do ministro da Justiça, Sergio Moro. A propaganda, que será apresentada em cerimônia no próximo dia 12 no Palácio do Planalto, usará depoimentos e casos reais de vítimas de violência em busca de apoio da população ao projeto, enviado em fevereiro ao Congresso. No mês passado, o governo adotou estratégia semelhante, ao colocar nas ruas a propaganda em defesa da reforma da Previdência.

A campanha do pacote anticrime será baseada em três pilares: redução de crimes violentos, combate à corrupção e enfrentamento de organizações criminosas, temas que estiveram entre as principais promessas eleitorais do presidente. Os detalhes da propaganda foram definidos pessoalmente pelo ministro Moro, que também aprovou as peças.

O projeto de lei anticrime propõe alterações em 14 leis, como os códigos Penal, de Processo Penal e Eleitoral, além das legislações que tratam de crimes hediondos e execução penal.

A proposta do ex-juiz Moro ainda não começou a tramitar formalmente e está em análise em um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados. O desejo do governo era que tramitasse simultaneamente ao texto da reforma da Previdência, mas ficou para ser apreciada em um segundo momento. O presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), argumentou que não era viável ter duas pautas polêmicas para serem analisadas e votadas ao mesmo tempo.

A estratégia, definida pela Secretaria de Comunicação (Secom), visa sensibilizar as classes com renda mais alta e formadores de opinião para a proposta de Moro.

Crime de caixa dois

A campanha é assinada pela agência Artplan, a mesma responsável pela publicidade da reforma da Previdência, lançada em maio e prevista para ser encerrada em julho, quando o governo já espera ter aprovado as novas regras para a aposentadoria.

Entre os pontos centrais da proposta de Moro, estão a tipificação do crime de caixa dois e tornar obrigatório, e não apenas autorizativo, o cumprimento de pena de prisão a partir de condenação em segunda instância. Um dos itens mais contestados é o que trata do excludente de ilicitude, ampliando a redução ou isenção da pena a policiais quando estiverem em confronto armado, uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro.

Medidas criticadas

O pacote anticrime foi defendido nas manifestações em favor do governo Bolsonaro, ocorridas no último dia 26. Entretanto, medidas do texto vêm sendo criticadas por entidades ligadas à segurança pública.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestou contra alguns pontos do projeto, como “execução antecipada da pena”, “mudanças no instituto da legítima defesa, em especial aos agentes de segurança pública”, “alterações no regime da prescrição” e “interceptação de advogados em parlatório”.

O estudo apresentado pela OAB recomenda ainda “o aprofundamento da discussão” sobre o pacote anticrime em conjunto com outros projetos já em tramitação, como o assinado pelo atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que foi ministro da Justiça, sobre os mesmos itens do texto de Moro.