Valor econômico, v. 23, n. 4798, 23/07/2019. Especial, p. A12

 

Colegiados planejam ação conjunta no STF e Congresso

 

 

 

Malu Delgado 

23/07/2019

 

 

Com dificuldades de interlocução com o governo federal e sentindo-se encurralados por sucessivos atos do Executivo, representantes de conselhos que contam com participação da sociedade civil planejam ofensiva conjunta no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso. A decisão da Corte, do dia 13 de junho, de vedar a possibilidade de extinção, por decreto, de colegiados criados por lei não significou, na prática, recuo do Executivo.

Em menos de sete meses de mandato, o governo publicou 66 atos que tratam de conselhos, ou com reformulações (de paridade e/ou função) ou com extinções. Além disso, segundo informação da Secretaria-Geral da Presidência da República ao Valor, outros 13 atos estão em fase final de revisão e 51 atos ainda passam pelo crivo da área jurídica da Presidência. Ou seja, em breve 64 novas definições serão anunciadas.

Representantes de conselhos ainda em funcionamento solicitaram ao STF o detalhamento do voto, do mês passado, para que possa ser feita uma análise jurídica minuciosa de que passos podem dar coletivamente. Em agosto, conselheiros e organizações da sociedade civil pretendem levar ao conhecimento do Congresso, de forma detalhada, o impacto da extinção e reformulação de colegiados em políticas públicas já consolidadas no país.

O defensor nacional de direitos humanos da Defensoria Pública da União (DPU), Eduardo Nunes, afirma que o ataque do atual governo contra conselhos de participação popular é sistemático e amplo, e vai além de decretos já editados. "A tendência do Executivo é deixar os conselhos em posição subalterna. A posição do STF deixou uma janela aberta para a extinção em massa de conselhos sem previsão legal. Temos que aguardar o detalhamento do voto", diz Nunes.

"Estamos de mãos atadas para fazer uma análise jurídica sobre a conformidade ou não desses decretos feitos pós decisão do STF." Nunes alega que o principal problema da decisão do Supremo é que muitas políticas públicas foram regulamentadas por ato infralegal, ou seja, que tem força de lei, mas não é lei. Ele cita como exemplo ações para atendimento da população de rua, que era uma medida interministerial.

A Secretaria-Geral da Presidência, em resposta a questionamentos da reportagem, argumentou que "a decisão de extinguir os colegiados está alinhada ao compromisso do governo federal de racionalizar a administração pública, evitando desperdício de recursos e diminuindo sombreamentos entre os órgãos". O governo levantou, até 30 de abril, a existência de "2.593 unidades colegiadas". "É possível que haja, no âmbito dos órgãos, unidades não cadastradas no sistema", informou a assessoria de imprensa do ministério.

Na sustentação oral feita no STF em junho, a Advocacia-Geral da União apontou que o Executivo tem interesse em manter 303 colegiados, e que poderia haver fusão de vários deles.

De acordo com Secretaria da Presidência, para que os objetivos do governo sejam alcançados, "não só se optou pela extinção dos colegiados existentes como foram estabelecidas regras claras e precisas, 'destinadas a evitar colegiados supérfluos, desnecessários, de resultados práticos positivos desconhecidos e com superposição de atribuições com as de autoridades singulares ou de outros colegiados', como explicitado na exposição de motivos do decreto [9.759, de abril]".

O Conselho Nacional de Direitos Humanos criou em caráter emergencial uma comissão provisória de participação popular que reúne todos os conselhos sociais do país, incluindo colegiados extintos. Para o presidente do CNDH, Leonardo Pinho, o Supremo deveria ser, em tese, a última saída, mas cada vez mais se torna a única possibilidade para questionar decisões do Executivo, na falta de interlocutores.

Pinho reconhece que no caso do CNDH há boa vontade e diálogo com a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Porém, muitas das promessas da ministra assumidas em audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o futuro de alguns colegiados não foram cumpridas, argumenta ele.

"O Judiciário seria a última instância, diante da falta de consenso, mas, com a postura do atual governo, o STF está se tornando a única alternativa do ponto de vista do sistema republicano. Ficamos sem interlocução no Executivo", conclui. A interlocução ou não existe, acrescenta Pinho, ou, quando existe, como é o caso da ministra Damares, "não é real".

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara convidou Damares, em abril, a prestar esclarecimentos sobre o primeiro decreto que tratou da extinção de conselhos. A audiência foi realizada dois meses antes do julgamento do STF. "O ministério reconhece a importância da sociedade civil, a importância dos conselhos. Estamos trabalhando em conjunto, em comunhão. É claro que não vamos convergir em todos os temas. Estive em duas, três reuniões de conselho. As reuniões são acirradas, mas é isso mesmo. Os conselhos têm o seu papel, o ministério está ali para acompanhar os conselhos", disse a ministra.

Damares enfatizou, aos parlamentares, que o governo Bolsonaro "está chamando a sociedade para uma releitura sobre direitos humanos". "Havia uma falsa ideia no Brasil de que direitos humanos eram uma ONG na porta da cadeia defendendo bandidos", argumentou a ministra. "Espere aí, proteção à criança é direito humano? Proteção ao idoso também é direito humano? Proteção à mulher é direito humano? Acesso à água, como está lá na comissão, na Secretaria de Proteção Global, é direito humano? Acesso à moradia é direito humano? Sim. Então, estamos fazendo essa conversa com a sociedade", definiu a ministra.

Na ocasião, Damares assegurou que os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura seriam nomeados e receberiam salários. Em junho, o governo editou decreto exonerando 11 peritos e acabou com a remuneração pelo trabalho. Outra medida foi em relação ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. "Tiraram qualquer menção de LGBT no decreto. Mantiveram a sigla, o nome geral, mas desfiguraram tudo e tiraram qualquer menção à política de LGBT", alerta Pinho. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não respondeu a questionamentos enviados pelo Valor. A AGU informou que "a análise sobre a extinção de cada conselho deve ficar a cargo do órgão instituidor".