Valor econômico, v. 20, n. 4794, 17/07/2019. Brasil, p. A3

 

BNDES será como butique da Faria Lima, diz presidente

 

 

 

Ana Krüger

Estevão Taiar

​17/07/2019

 

 

 

Empossado ontem, o novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Henrique Montezano, 38 anos, começou a detalhar qual será a nova cara da instituição. O engenheiro, mestre em economia e com 17 anos de carreira no mercado financeiro, assumiu um mês após pedido de demissão do antecessor Joaquim Levy, frisando que o BNDES será um banco de serviços, com o Estado como principal cliente.

Montezano usou termos como consultoria e assessoria financeira para descrever o que pensa para o banco. "Pega, por exemplo, os bancos de investimentos da Faria Lima (avenida e principal ponto de concentração do mercado financeiro em São Paulo). Eles prestam serviços de IPO, M&A, emissão de debêntures, emissão de bonds. Vamos fazer algo parecido com o Estado brasileiro", disse ao Valor. "Pega [também como exemplo] as butiques de investimento".

De acordo com ele, o banco irá, por exemplo, elaborar planos de concessão e privatização para a União, Estados e municípios - tudo via contrato.

Ele listou, em ordem de prioridade, as metas da gestão: explicar a "caixa preta" do BNDES, acelerar a venda da carteira de ações do banco (cerca de R$ 110 bilhões), devolver R$ 126 bilhões neste ano ao Tesouro, criar um plano trianual com Orçamento e revisões das dimensões do banco e encerrar 2019 já como um banco de serviços. "A sustentabilidade financeira, e não o lucro, será o principal norte."

Segundo ele, mesmo com as mudanças de rumo, o BNDES manterá sua forte atuação na área de infraestrutura. Ontem ele reuniu-se com o ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, para discutir, entre outros assuntos, as prioridades do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Montezano lembrou que os bancos públicos já chegaram a menos de 50% do total do crédito no Brasil, mas afirmou que, em áreas como infraestrutura e saneamento, a participação do BNDES é importante.

Os desembolsos do banco devem ficar na casa dos R$ 70 bilhões por ano, embora a cifra, que deve fazer parte do plano trianual, ainda esteja em discussão. O presidente afirmou que, com a reorganização, possivelmente o lucro no futuro será menor do que os já registrados no passado. "Mas é preciso olhar o benefício para a sociedade como um todo", ponderou.

Ele defendeu melhor alocação de recursos e energia em projetos com maior retorno social. Esse ponto também será considerado no "timing" de venda das ações do banco, que deve ser acelerada.

Montezano evitou mencionar quanto pode ser vendido ainda neste ano pelo BNDESPar (braço de investimentos do banco). A ideia é se desfazer de investimentos que levem apenas a "ganhos financeiros, sem ganho social". Além disso, não haverá futuros investimentos "meramente especulativos". "Podemos eventualmente aplicar recursos em empresas, desde que gerem ganhos sociais, além do puro ganho financeiro", disse.

O presidente do banco de fomento adotou cautela também ao debater o melhor momento de vender as ações. "Nenhum desinvestimento é independente do valor do ativo", disse. A ideia, disse ele, é vender as ações em momentos de preços mais altos. No entanto, o direcionamento desses recursos para áreas com alto retorno social, como saneamento, pode em alguns casos trazer mais benefícios para a sociedade do que o lucro que o BNDES teria com a venda de ações em um momento mais favorável, afirmou.

Ao propor um banco de serviços, ele disse não precisar de "crédito e caixa", mas sim de estrutura e conhecimento. "Nas privatizações, entendo não ser necessário empréstimo de banco público, esse mercado é suprido por bancos privados", completou.

Nas concessões, que exigem investimentos de longo prazo, o BNDES poderá atuar quando o setor privado não puder suprir o financiamento. "Acredito que o banco tem recursos suficientes para fazer isso, mesmo sem os empréstimos do Tesouro."

Ele assumiu pressionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a acelerar a "despedalada" do banco. O cronograma estabelecido pressupõe devolução de R$ 126 bilhões ao Tesouro neste ano, quase metade do total de R$ 270 bilhões até 2022.

Em discurso na posse de Montezano, Guedes citou as devoluções ao Tesouro como primeira meta da nova gestão - a terceira na lista do presidente do banco. Como consequência das devoluções, segundo o ministro, os juros do crédito subsidiado subirão e os juros do crédito livre cairão. Para Guedes, a "simbiose" com Montezano foi total.

O presidente do BNDES disse, também, que tudo que o banco faz, incluindo a escolha da nova diretoria, é alinhado com o Ministério da Economia. Ele afirmou ter se reunido em dois dias com aproximadamente 140 funcionários da instituição para conversar sobre as mudanças que pretende implantar. "Minha percepção é que a reação deles foi a melhor possível" às propostas, disse.