Valor econômico, v. 20, n. 4797, 22/07/2019. Política, p. A8

 

Decisivo em votações, Centrão enfrenta divisão e disputas

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro 

22/07/2019

 

"Essa coisa que ninguém sabe o que é, mas é do mal", na definição irônica dada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o Centrão tornou-se decisivo para a aprovação da reforma da Previdência e tem se fortalecido com a falta de articulação do governo Jair Bolsonaro no Legislativo, mas está longe da coesão de antigamente e vive uma disputa velada pela sucessão do comando da Casa e do próprio grupo.

Formado por partidos com tradição governista e fisiológica, como MDB, PP, PL, PSD, PRB e PTB, o Centrão reúne hoje cerca de 150 a 200 votos, mas teve sua versão original criada pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), que aglutinou apoios em troca de ajuda para obter financiamento para a campanha dos deputados.

Essa primeira versão, desmantelada com a renúncia de Cunha e a eleição de Maia, era muito mais coesa e unida, segundo parlamentares que participaram de sua formação. Cunha tinha o controle do maior desses partidos, o PMDB, comandava o bloco com mão de ferro e era seguido quase que fielmente pelos aliados.

Hoje o Centrão orbita em torno de Maia, mas não o segue fielmente e nem tem a coesão de outros tempos. O DEM, de Maia, busca se distanciar do grupo, o que fez marcando posição sobre a pauta econômica e em discursos. O próprio presidente da Câmara, após ser atacado em manifestações, voltou a articular com um conjunto mais amplo de deputados, que inclui novatos e integrantes de partidos de oposição.

A relação exige muito diálogo e negociação por parte do presidente da Câmara, como na escolha do presidente da comissão da reforma da Previdência (Marcelo Ramos, do PL-AM, que não era o nome favorito de Maia), e são comuns disputas nos bastidores, divergências de pensamento e até brigas públicas.

O apoio do PSD a que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ficasse sob o comando do ministro da Justiça, Sergio Moro, por exemplo, afastou o presidente do PSD, Gilberto Kassab, dos demais e ainda gera, semanas após a votação, acusações de ambos os lados. A briga é tanta que até excluíram os pedidos feitos por Kassab de um projeto de lei gestado em comum acordo entre os partidos.

Outro momento de divergência foi a tentativa de Maia concluir a votação da reforma da Previdência por duas vezes na semana passada, logo após a aprovação do texto principal. PP e PL, os dois maiores partidos do grupo, discordaram e impediram a votação, que acabou só na sexta-feira. Governistas acusam que o adiamento foi uma pressão pela liberação de emendas e cargos, o que ambos os partidos negam.

Mas há disputas mais veladas e silenciosas, segundo líderes ouvidos pelo Valor. A principal é saber quem, de fato, comanda os votos do Centrão e que terá mais condições de suceder Maia em 2021. Líderes veem uma rixa entre o líder do PP, Arthur Lira (AL), e o do "bloco da maioria", Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), escolhido por Maia como líder do governo Temer e agora como "comandante do Centrão".

Maia, na opinião de parlamentares desses partidos, teria preferência por Ribeiro, que possui um perfil mais conciliador e parecido com o seu. Até por isso teria escolhido ele como relator da reforma tributária, principal pauta da Câmara após a Previdência e que será capaz de colocá-lo em evidência para a disputa.

Lira, considerado mais "duro" e "brigão", tem estreitado os laços com os menores partidos do grupo, como PTB e SD, com quem conversa rotineiramente para informá-los sobre os próximos passos e negociações, e também mantém bom diálogo com a oposição, com quem negociou muitas das alterações na reforma da Previdência.

A possibilidade de disputa é rejeitada pelos dois, que dizem que, no momento certo, o PP saberá definir quem será seu candidato. A eleição para a presidência da Câmara está longe e outros integrantes também devem almejar o posto. O líder do PL, Wellington Roberto (PB), é um dos cotados, e o PSDB, um aliado informal, busca espaço para se viabilizar. Por enquanto, Lira e Ribeiro são os que estão melhor posicionados, segundo integrantes do grupo.

A eleição para a presidência da Câmara será decisiva para o governo Bolsonaro, que tentou costurar uma alternativa a Maia no fim do ano e fracassou. O presidente já terá queimado o capital político de início de mandato e precisará de um aliado para fazer andar sua agenda, com vistas à reeleição, ou até evitar pautas contrárias a seus interesses. É o presidente da Câmara, também, quem dá aval a pedidos de impeachment.