O Estado de São Paulo, n. 45813, 24/03/2019. Internacional, p. A12

 

Brasil dispensa apoio do Chile a busca de vaga permanente do CS da ONU

Ricardo Galhardo

Daniel Weterman

24/03/2019

 

 

Diplomacia. Segundo fontes do Itamaraty, menção constava da versão inicial da declaração enviada pelo governo chileno, mas teria sido excluída a pedido do chanceler Ernesto Araújo; assessores de Bolsonaro garantem que País não desistiu de entrar no órgão

 

Fim de viagem. O presidente do Chile, Sebastián Piñera (E), e Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio La Moneda, em Santiago: realinhamento regional

A visita de Jair Bolsonaro ao Chile terminou ontem com um encontro com o presidente chileno, Sebastián Piñera, e uma declaração conjunta, que deixou de fora o apoio do governo do Chile à pretensão brasileira de ser membro permanente do Conselho de Segurança (CS) da ONU.

Segundo fontes do Itamaraty, a minuta inicial da declaração enviada pela chancelaria chilena, na semana passada, incluía a declaração de apoio à inclusão do Brasil no Conselho de Segurança. A área competente do Ministério de Relações Exteriores teria até proposto um reforço na linguagem, mas a menção foi retirada da contraproposta enviada pelo governo brasileiro aos chilenos.

Questionado duas vezes ontem pela reportagem, o Itamaraty informou que não comentaria o assunto. O chanceler Ernesto Araújo disse, por meio da assessoria do ministério, que não falaria sobre o processo de elaboração da declaração. Segundo ele, o que vale é o que está no texto oficial.

“O texto acordado é um excelente marco para a nova era das relações entre Brasil e Chile”, afirmou Araújo, que tem sido um crítico da ONU e do que ele chama de “globalismo” e “marxismo cultural nas relações internacionais”.

O Estado apurou ontem com membros do governo que o Brasil não desistiu de ser membro permanente do CS da ONU e espera o apoio dos EUA para conseguir uma vaga. Pessoas próximas a Araújo negam que ele tenha pedido ao governo chileno para retirar esse trecho da declaração e garantem que o chanceler considera a pauta “importantíssima”. “Ele está otimista e acredita no apoio dos EUA”, disse um assessor do presidente.

A reivindicação do Brasil é histórica. Antes mesmo da fundação da ONU, ainda no período da Liga das Nações, o Brasil manobrava por um assento no Conselho Executivo (a versão do CS na época). Em 1926, após uma tentativa frustrada de vetar a entrada da Alemanha no órgão, o presidente brasileiro Artur Bernardes abandonou a organização.

A reivindicação foi retomada pelo presidente José Sarney, nos anos 80, e mantida pelos governos seguintes. O cenário global favorecia a discussão sobre uma nova agenda da ONU, travada pela questão da segurança durante a Guerra Fria.

O esforço do Itamaraty se intensificou durante as gestões dos dois chanceleres de Itamar Franco: Fernando Henrique Cardoso e Celso Amorim. O clima favorável a uma reforma da ONU, no entanto, mudou com os atentados de 11 de setembro de 2001, nos EUA.

Os ataques recolocaram a segurança na agenda global e a ONU entrou em crise. Na esteira da guerra ao terror, declarada pelo presidente americano, George W. Bush, os EUA atacaram o Iraque sem a aprovação do CS, em março de 2003.

Em agosto do mesmo ano, um atentado em Bagdá matou 22 pessoas, entre elas o alto comissário para os direitos humanos, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, um dos mais influentes funcionários da ONU e amigo pessoal do secretário-geral, Kofi Annan. “Chegou a hora de a ONU se renovar”, disse Annan. “Sob o risco de se tornar irrelevante.”

Durante os meses seguintes, o Secretariado da ONU recebeu mais de cem propostas para reformar a organização. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se identificou com o tema e aproveitou a abertura dada por Annan para reforçar a reivindicação brasileira.

Em 2005, o Brasil formou o G-4, ao lado de Alemanha, Japão e Índia, para atuar em conjunto pela reforma do CS da ONU. A manobra, porém, não avançou em razão do contraataque diplomático de rivais regionais: México, Argentina, Itália, Espanha, Coreia do Sul e Paquistão criaram um grupo batizado de “Unidos pelo Consenso”, que barrou a reforma.

Hoje, o CS da ONU tem 15 membros, sendo 5 permanentes e com poder de veto: EUA, Rússia, China, Reino Unido e França. Os outros dez integrantes são eleitos pela Assembleia- Geral para mandatos de dois anos.

Segundo o ministro do Interior do Chile, Andrés Chadwick, o apoio chileno à pretensão brasileira de se tornar membro permanente do CS da ONU é uma decisão de Estado do governo chileno – e não apenas do atual presidente. “Piñera já falou isso pessoalmente ao presidente Bolsonaro”, afirmou o ministro.

Alinhamento. Bolsonaro foi recebido ontem por Piñera com honras militares no Palácio La Moneda, sede do governo chileno. Em seu discurso, ELE se comprometeu a comparecer à COP-25, que será realizada no Chile, mas disse que o Brasil pode não aderir a acordos que serão firmados na conferência climática. “Não podemos assinar um acordo que não podemos cumprir. O Brasil não deve nada a ninguém em termos de preservação do meio ambiente. Temos esta preocupação, mas também a preocupação com o desenvolvimento”, disse./  COLABOROU JULIA LINDNER

Composição

15

membros tem o Conselho de Segurança da ONU – 5 permanentes e com poder de veto (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China) e 10 que se alternam com mandato de dois anos

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Falta de clareza

Lourival Sant'anna

24/03/2019

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era criticado por colocar a afinidade ideológica acima dos interesses brasileiros na condução de sua política externa. A crítica era pertinente. Pelo que se viu na visita de Jair Bolsonaro aos EUA, a política externa corre o risco mais uma vez de sacrificar o interesse nacional em nome da ideologia – apenas com o sinal trocado.

No campo comercial, Bolsonaro trocou concessões concretas por promessas vagas. Na geopolítica, não foi suficientemente firme na oposição a uma intervenção militar na Venezuela e foi prejudicado pela incontinência verbal de seu filho Eduardo.

Bolsonaro cedeu em uma reivindicação dos EUA que remonta aos anos 90: que o Brasil abra seu mercado ao trigo americano. Acordo anunciado pelos dois governos prevê a compra de 750 mil toneladas por ano de trigo livre da tarifa de 10% aplicada a importações do cereal de fora do Mercosul. Em troca, os americanos ficaram de enviar uma equipe técnica para avaliar as condições sanitárias da carne bovina brasileira. O Brasil prometeu algo semelhante em relação à carne suína americana. Teria ficado de bom tamanho. A abertura para o trigo saiu de graça.

Depois do anúncio da concessão, que diminuirá a importação do trigo argentino, o governo em Buenos Aires informou sua disposição de bloquear a tarifa zero para o açúcar – reivindicada pelo governo brasileiro. O Brasil também se mostrou disposto a ceder seu status de país em desenvolvimento, que lhe permite usufruir de tarifas de importação mais baixas para seus produtos, por meio do Sistema Geral de Preferências da OMC. Em troca, obteve aval de Donald Trump à entrada do País na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Países da OCDE atraem mais investimentos que outros, porque cumprem padrões que criam um melhor ambiente de negócios. De maneira que o que torna esses países atraentes não é o fato de estarem na OCDE, mas de cumprirem esses padrões. Há aí uma gigantesca tarefa de casa.

No afã de agradar a Trump, Bolsonaro afirmou que “a maioria dos imigrantes não tem boas intenções”, esquecendo-se de que é presidente de um país que tem 3 milhões de cidadãos morando fora. Seu filho, Eduardo, já havia qualificado de “uma vergonha” os brasileiros que vivem ilegalmente no exterior.

Um dos objetivos de Trump ao receber Bolsonaro era induzi-lo a apoiar uma intervenção militar na Venezuela. O presidente brasileiro havia deixado clara sua oposição – em sintonia com os outros países da região –, até mesmo quando recebeu o presidente interino proclamado pela Assembleia Nacional, Juan Guaidó, em Brasília.

Entretanto, em um evento com empresários americanos em Washington, ele disse: “Temos alguns assuntos que estamos trabalhando em conjunto, reconhecendo a capacidade econômica, bélica, entre outras, dos EUA. A

Venezuela não pode continuar da maneira como se encontra. Aquele povo tem que ser libertado e contamos com o apoio dos EUA para que esse objetivo seja alcançado.”

Em entrevista ao jornal chileno La Tercera, seu filho Eduardo voltou a atacar: “Ninguém quer uma guerra, a guerra é ruim, há muitas vidas perdidas, há consequências colaterais, mas (Nicolás) Maduro não vai deixar o poder de forma pacífica. De alguma forma, será necessário usar a força, porque Maduro é um criminoso”.

Bolsonaro teve mais tarde de desautorizá-lo: “Tem gente divagando, tem gente sonhando. Da nossa parte, não existe essa possibilidade”, disse o presidente, depois de participar da cerimônia de criação do Prosul, bloco destinado a substituir a Unasul, de inspiração esquerdista. Nem a credibilidade da ameaça de ação militar nem a liderança do Brasil na região ganham com essa falta de clareza.