Valor econômico, v.20, n.4800, 25/07/2019. Brasil, p. A6

 

Brasil quer aprovar, em dezembro, corte pela metade da TEC em 4 anos 

Daniel Rittner 

25/07/2019

 

 

O processo de abertura da economia começa a ganhar contornos mais nítidos. A assinatura de grandes acordos comerciais caminhará paralelamente ao corte unilateral das alíquotas de importação. Em dezembro, os sócios do Mercosul vão avaliar uma proposta brasileira de reestruturação da Tarifa Externa Comum (TEC), hoje entre 13% e 14%. A intenção do governo Jair Bolsonaro é reduzi-la para um patamar de 6% a 7% no prazo de quatro anos.

Em entrevista ao Valor, o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz, explicou que não se pretende apenas levar a TEC para padrões mais próximos da média internacional, mas diminuir a "discrepância" entre alíquotas praticadas em diferentes setores.

Só como ilustração: as tarifas ficam em torno de 7% para produtos químicos, 12% para muitos siderúrgicos, 14% para bens de capital e de informática, 27% para vinhos, 35% para automóveis, calçados e têxteis. "A nossa grande distorção, em termos de tarifa, está no setor industrial", diz Ferraz.

"Uma boa medida do que queremos na reforma da TEC é comparar aquilo que se aplica nas 10.270 NCMs [nomenclaturas comuns do Mercosul] e a média internacional", acrescenta o secretário, que é professor da FGV-SP e reconhecido no exterior como um dos grandes especialistas em modelos para simular os efeitos de liberalizações comerciais.

Para ele, não há empecilho em reestruturar unilateralmente as tarifas de importação junto com acordos de livre-comércio, como o anunciado no mês passado entre Mercosul e União Europeia. É o caminho, segundo Ferraz, percorrido por países como México e África do Sul. "A desgravação tarifária com a UE está prevista para se completar em 15 anos. No acordo que estamos negociando com a Coreia, são 20 anos. Mais o tempo de tramitação legislativa."

"Isso é um processo muito lento. O nosso parque tecnológico tem uma defasagem de pelo menos 30 anos. E, nesse modelo de economia fechada, a indústria brasileira perdeu 15 pontos percentuais de participação no PIB em quatro décadas", argumenta.

Além do recém-anunciado entendimento com a UE, o Mercosul trabalha com a hipótese real de fechar um acordo com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) em agosto, numa rodada de negociações que ocorrerá em Buenos Aires. Com o Canadá, a perspectiva é concluir em 2020.

Na frente unilateral, o governo Jair Bolsonaro aproveitá a presidência rotativa do Mercosul, no segundo semestre, para construir uma proposta detalhada de revisão da TEC. A proposta será submetida aos líderes do bloco na reunião de cúpula em dezembro.

Uma das dúvidas na equipe econômica é se a redução de alíquotas para bens de capital, de informática e de telecomunicações seria adotada logo nos próximos meses ou se espera uma decisão de todo o Mercosul no fim do ano. Há uma exceção à tarifa comum valendo para BITs e BKs - como são conhecidos esse bens - até 2021. Uruguai e Paraguai já usam esse "waiver" para aplicar alíquotas mais baixas. O Brasil tem interesse em diminuir as tarifas, de 14% para 4%, como estímulo à modernização das empresas.

Não só a questão tarifária vai ser discutida pelo governo, mas também as regras de origem para que bens possam ser considerados nacionais ou regionais. Para que um produto argentino seja exportado ao Brasil ou um produto brasileiro cruze a aduana argentina, sem pagamento de imposto de importação, precisa ter agregado pelo menos 60% de insumos ou componentes fabricados dentro do próprio Mercosul.

Ferraz acredita que esse índice é arcaico e ignora as características atuais do sistema internacional. "Quanto mais conteúdo regional tivermos que acrescentar a um produto, menos inseridos vamos estar nas cadeias globais de produção. O Brasil está preso a um modelo antiquado de regras de origem, que pode ser aprovado pelo cepalino, pelo desenvolvimentista clássico da América Latina, mas fere a lógica de busca por competitividade no século XXI."

A UE trabalha com regra de origem na faixa de 50% e, pela primeira vez, o Mercosul flexibilizou essa exigência no acordo com os europeus. Era, na avaliação do secretário, uma das principais travas à conclusão das negociações. Retirado esse obstáculo, o tratado ficou mais fácil. Agora, complementa Ferraz, é hora de "abrir um debate" sobre a redução do índice no Mercosul. Ele lembra que uma aeronave da Embraer, caso de sucesso no comércio exterior brasileiro, tem só 10% de componentes nacionais.

"É claro que reformas macroeconômicas, concessões de infraestrutura, desburocratização são medidas necessárias. Mas, se fizermos tudo isso e não houver abertura, se não tivemos acesso às melhores tecnologias, vamos perder o bonde", afirma. "O Brasil vive o sonho encantado de se tornar um grande exportador importando o mínimo possível, mas essa é uma premissa errada."