Valor econômico, v.20, n.4800, 25/07/2019. Brasil, p. A8
Nova gestão do BNDES preocupa setor elétrico
Rodrigo Polito
25/07/2019
Representantes do setor de energia elétrica estão preocupados com relação às diretrizes da nova gestão do BNDES, comandado agora por Gustavo Montezano. Especialistas e executivos da indústria ouvidos pelo Valor temem que medidas como "abrir a caixa-preta" do banco, em referência à investigação de supostas irregularidades na concessão de financiamentos em gestões anteriores, tirem o foco de um dos papéis históricos da instituição de fomentar a expansão da oferta de energia.
De 2003 a 2018, o BNDES apoiou 635 projetos de geração, transmissão e distribuição de energia, além de eficiência energética, totalizando R$ 215 bilhões. O valor representa pouco mais de 58% do total investido nesses empreendimentos, R$ 368,9 bilhões.
A partir do governo Michel Temer, porém, o banco reduziu sua participação no apoio ao setor elétrico. Ao assumir neste ano, o governo Jair Bolsonaro manteve o objetivo de estimular o mercado de capitais e o mercado financeiro para financiarem a expansão do mercado de energia.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, Elbia Gannoum, o mercado de capitais hoje ainda é pouco desenvolvido para financiar projetos de longo prazo. As debêntures de infraestrutura, explicou, são um mecanismo interessante, porém atendem no máximo a 10% do valor do investimento do projeto. Além disso, em geral, esses papéis têm prazo de até dez anos, quando os empreendimentos do setor demandam pelo menos 15 anos de financiamento.
"É preciso primeiro ter um mercado de capitais desenvolvido, para depois reduzir a participação do BNDES [no setor]", disse Elbia, defendendo uma transição gradual do apoio do banco estatal para as instituições privadas.
Diretora da área de desestatização do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso, Elena Landau concorda que o setor de infraestrutura ainda precisa de apoio de um agente como o banco de fomento, porque o mercado de capitais ainda não é completamente desenvolvido. Ela, porém, critica a forma como a instituição foi usada anos atrás, financiando empreendimentos com taxas subsidiadas.
A especialista disse não ver intervenção política no BNDES hoje. Segundo ela, é natural que o governo defina as diretrizes do banco. Mas o mais importante, pontuou, é que o banco se prepare para o novo cenário de transição energética. "Qual vai ser o papel do banco na nova economia? E na transição energética?"
Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, professor Nivalde de Castro, a recessão enfrentada pelo país em 2015 e 2016 reduziu o número de novos projetos de infraestrutura de energia e, consequentemente, diminuiu o volume de desembolsos do BNDES. Esse fator gerou uma falsa impressão de que o banco teria reduzido sua relevância no setor.
"Com a demanda baixa [de projetos] por causa da crise, não se percebe a importância do banco", afirmou. "O papel do BNDES não é pontual. É estratégico. Basta ver o que já foi feito de 2000 para cá. Sem ele, o setor elétrico não teria condições de atender a demanda por energia do país."
Em 2018, os desembolsos totais do BNDES caíram pelo quinto ano consecutivo, para R$ 69,3 bilhões, quase um terço do patamar de R$ 190,4 bilhões observado em 2013. Na mesma comparação, os desembolsos apenas para o setor de energia caíram de R$ 27,6 bilhões para pouco mais da metade, R$ 16,2 bilhões.
"O ritmo de desembolsos caiu porque a economia não cresce", completou Elena Landau.
Segundo Castro, como forma de atuar sua ampliação, o BNDES pode buscar apoiar negócios bilaterais no setor elétrico, como o financiamento de projetos de geração desenvolvidos exclusivamente para atender consumidores no mercado livre.