Valor econômico, v.20, n.4800, 25/07/2019. Opinião, p. A16

 

O novo mercado de gás 

Alexandre da Silva 

25/07/2019

 

 

O Novo Mercado de Gás (NMG) é um plano para ampliar a concorrência no mercado brasileiro de gás natural por meio da liberalização nos três segmentos de sua cadeia produtiva: upstream (produção, escoamento e processamento), midstream (gasodutos de transporte) e downstream (gasodutos de distribuição nos Estados).

Hoje, além de se constituir em um monopsônio (único comprador) no upstream, esse mercado possui empresa dominante com controle da capacidade de transporte e uma estrutura regulatória sem incentivos à eficiência no downstream. Essa concentração de mercado leva à estagnação e a preços pouco competitivos, com o Brasil apresentando-se como um dos países com maior preço de gás natural, chegando recentemente (para consumidores industriais) até U$ 14 MM/Btu, enquanto o preço médio em países da Europa foi cerca de US$ 8,8 /MMBtu e, nos EUA, US$ 3,9 /MMBtu.

Há um conjunto de oportunidades convergentes para acreditarmos que a aludida liberalização ocorrerá, especialmente considerando os seguintes fatores: i) recentes descobertas de gás natural no pré-sal; ii) após uma negociação de mais de cinco anos, resolução do acordo de cessão onerosa, cujo excedente será licitado em novembro deste ano; iii) foco estratégico da Petrobras em exploração e produção (E&P) em águas profundas, visto haver maior necessidade de investimento para explorar essas oportunidades no pré-sal; iv) interesse da Petrobras em celebrar termo de compromisso com o Cade; v) Programas de Fortalecimento das Finanças Estaduais (PFE) e de Equilíbrio Fiscal (PEF) para destinar recursos para Estados, incentivando-os a modernização regulatória focada em eficiência.

Dito isso, como se dará então o "choque de energia barata", divulgado pelo ministro Paulo Guedes? Ocorrerá por meio de ações simultâneas - recomendadas em resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e detalhadas no termo de compromisso entre Cade e Petrobras - nos três segmentos da cadeia produtiva do gás natural.

Essas ações serão, nos próximos meses, reforçadas por outras no Congresso Nacional, a fim de que as medidas infralegais propostas à atual empresa dominante no setor (Petrobras) sejam aplicadas a qualquer outra empresa, impedindo que surjam monopólios privados no setor nacional de gás natural, reforçando, também, a segurança jurídica das medidas infralegais.

No upstream, a ideia é que esse conjunto de ações infralegais provisionem às cerca de 30 empresas potenciais ofertantes de gás no alto-mar brasileiro acesso aos gasodutos de escoamento, a Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs), gasodutos de escoamento e aos terminais de regaseificação da empresa dominante. Atualmente, a empresa dominante compra a molécula por algo em torno de U$ 1 a 2 MM/Btu, mas este chega nos dutos de transporte em aproximadamente U$ 7 a 8 MM/Btu.

Com a competição advinda do acesso de várias empresas aos dutos, espera-se substancial queda nessa diferença de preços. No jargão econômico, a expectativa é que esse segmento da cadeia do gás passe a funcionar com um preço competitivo em vez do atual preço de monopsônio.

No midstream, que é um monopólio natural, a recomendação do CNPE é que a empresa dominante defina suas demandas nos pontos de entrada e saída dos dutos de transporte, possibilitando a oferta de serviços adicionais de transporte na capacidade remanescente/ociosa, que é estimada em cerca de 30%. Há de se destacar que o desinvestimento da Petrobras nesse segmento é algo inerente ao próprio plano de negócios da empresa, redefinindo sua estratégia mercadológica, que passa a focar em E&P em águas profundas. De fato, no transporte, o NMG propriamente foca na liberação da capacidade remanescente dos dutos.

No downstream, que também é um monopólio natural, sabe-se que os modelos tarifários praticados por distribuidoras estaduais não trazem incentivos à eficiência. Várias delas remuneram o capital investido com taxas de até 20% ao ano, não havendo qualquer associação ao custo de oportunidade do capital, como usualmente é feito quando se considera metodologias como o WACC e o CAPM. Além disso, remuneram-se os custos operacionais em até 20% ao ano, incentivando o aumento dos custos em vez da eficiência operacional. Ainda há aquelas que, feitas essas contas, dividem o total por 0,8, aumentando, adicionalmente, em 25% a tarifa.

Nesse sentido, dentro das regras de mercado, sem qualquer quebra contratual, o governo federal incentivará, por meio do PEF e do PFE, os grandes consumidores para adquirir a molécula de comercializadores e produtores, permanecendo a obrigação de remunerar a distribuidora pelo serviço que presta (uso da rede de distribuição), mas com a fixação de tarifas que possuam racionalidade econômica.

Acredita-se que essa maior liberdade aos grandes consumidores ocorrerá naturalmente, por meio da competição entre os Estados, pois aqueles que modernizarem sua regulação terão maior volume de negócios, inclusive com maior comercialização nas distribuidoras, servindo como espelho para os outros. Porém, se houver necessidade de revisão contratual que traga algum prejuízo para a distribuidora, tal alteração será compensada por meio de reequilíbrio financeiro, que pode ser financiado com recursos do PFE.

Portanto, com as estratégias descritas, vislumbra-se um NMG com benefícios para a economia brasileira. Por exemplo, estudos do Ministério da Economia indicam crescimento no PIB industrial na ordem de 10,5% no ano e efeitos positivos nos anos seguintes, caso haja redução de 50% no preço da energia, destacando-se que a intensidade com que o preço caminhará para um preço competitivo depende da implantação das medidas elencadas, que terão um monitoramento de várias instituições - coordenadas pelo Ministério de Minas e Energia.