O Estado de São Paulo, n. 45814, 24/02/2019. Política, p. A6

 

Entrevista - Marcos Pereira: 'O presidente precisa descer do palanque'

Renata Agostini

Naira Trindade

25/03/2019

 

 

Após críticas de Rodrigo Maia, vice-presidente da Câmara compara relação entre governo e Congresso à da gestão Dilma

Rede. Para Marcos Pereira, Bolsonaro tem de ‘tirar senha do Twitter’ do filho Carlos ‘e se colocar na função de presidente’

‘O presidente precisa descer do palanque’

Marcos Pereira (PRB-SP), vice-presidente da Câmara dos Deputados

Em forte recado ao governo, o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (PRB-SP), diz que Jair Bolsonaro precisa “descer do palanque” e se colocar no papel de presidente. À frente do PRB e com forte ascendência sobre a bancada, que tem 31 deputados, ele reclama da falta de atenção do governo com os parlamentares, que não estão sendo recebidos nos ministérios. “O novo Brasil tem de começar de onde o Brasil estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero.”

Ex-ministro de Indústria de Michel Temer, Pereira, que é advogado de formação e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, avalia que o mal-estar no Congresso hoje é generalizado e que as reclamações lembram o governo Dilma. “É muito parecido. Política é diálogo, é atenção, são gestos. Não tenho visto gestos, atenção nem diálogo”.

Incomoda o discurso do governo contra a política tradicional?

Evidentemente. O presidente não pode dizer que não é político estando há 28 anos na política. Ele se elegeu sem partido, porque o PSL praticamente não existia, e acha que não precisará dos partidos agora. Mas são os partidos que têm como dialogar com os parlamentares. As frentes temáticas não têm como fechar questão. Não estou falando de troca-troca ou toma lá, dá cá. Estou falando de diálogo. É isso que incomoda.

Respondendo a Maia, presidente disse que seu trabalho na Previdência estava feito.

O presidente parece não querer aprová-la. Como deputado, sempre votou contra todas as propostas de reforma. Como candidato, a criticou. Agora, como presidente, joga a responsabilidade no Parlamento. O Rodrigo está sendo muito proativo. O problema é que ele constrói e o governo, do outro lado da rua, desconstrói. Hoje não tem 50 votos. Nem o PSL vota 100%. Talvez o governo tenha sido amador por falta de experiência.

Bolsonaro pode inaugurar nova forma de negociação?

Precisamos avançar e sou favorável que a gente avance. O presidente disse que não tem mais indicação dos partidos nos ministérios e que quer empoderar o deputado. Apoio. Disse que, ao anunciar determinada obra, chamaria os parlamentares que podem ser base, os levaria junto para dizer à população que aquilo é possível graças a atuação do deputado tal. Isso se faz com diálogo, conversa, articulação política. Não é toma lá, da cá. Liberar recursos para as bases dos parlamentares é natural. Eu, como deputado, não quero e não vou indicar para cargo do governo. Alguns deputados meus precisam e não vou impedir. Será decisão pessoal. Não obriga o partido a votar 100% as pautas do governo.

PRB descarta fazer parte da base do governo?

Da forma como está montado o governo hoje, acho muito difícil, porque não há diálogo. Com político, 50% é atenção e 50% é a solução, a resposta à demanda, que pode até ser não. Tem deputado reclamando que está demorando 15 dias para conseguir audiência com ministro. Esse deputado já tem predisposição de não votar com o governo.

É um governo de má vontade?

É um governo mal organizado. Pedi uma audiência no MEC com um secretário, porque o prefeito de uma cidade me pediu. O prefeito me reportou que, quando o secretário chegou, disse: “você está aqui com o prefeito, veio com o deputado, mas não precisa de político aqui não, tá? Você poderia ter vindo sozinho.” Uma atitude como essa é negar a política. É uma ofensa, claro. Falta sensibilidade política. Um burocrata vem dizer que não tem política? O dia que ele tiver 140 mil pessoas apertando o nome dele nas urnas como eu tenho, ele pode agir da forma que agiu. É falta de respeito com o cidadão que estou representando. É isso que estou falando, não é toma lá, dá cá. O novo Brasil tem de começar de onde estava dando certo, não do zero. Eles parecem que querem começar o Brasil do zero.

E o Congresso?

O Congresso já está com má vontade porque a má vontade está vindo do lado de lá. O mal estar é generalizado. O senador Fernando Bezerra é muito jeitoso, tem experiência. O major Vitor Hugo é dedicado, boa pessoa, mas não tem experiência. A impressão que passa é que não tem força.

Era uma reclamação que se ouvia com a Dilma. É parecido?

Tinha dificuldade também. É muito parecido. Política é diálogo, é atenção, são gestos. E eu não tenho visto gestos, atenção nem diálogo.

E por que está acontecendo?

Eles estão sendo vítimas da retórica da campanha. O governo precisa entender que não está mais em campanha. O presidente precisa descer do palanque. Até porque não tem essa ampla vantagem, não. Dos 57 milhões de votos, foram 10 milhões de diferença para o candidato derrotado. Ele tem que governar para 210 milhões de brasileiros.

A pauta ideológica do presidente tem atrapalhado?

Esse ativismo do presidente nas redes sociais... Ele tem de entender que agora é o presidente, então tem temas que ele não pode abordar porque causa instabilidade. O presidente precisa tirar senha do Twitter do Carlos (filho de Bolsonaro) e se colocar na função de presidente. Militares reclamam de Carlos. Congresso reclama de Carlos. Aliados reclamam de Carlos. PSL reclama de Carlos. Imprensa reclama de Carlos. Agora, Paulo Guedes reclamou de Carlos. Na cabeça do pai, Carlinhos tem razão e é incompreendido.

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Em grupo do PSL, líder critica e depois ameniza relação com Maia

Camila Turtelli

Julia Lindner

25/03/2019

 

 

Após encontro com Bolsonaro, Major Vitor Hugo usa WhatsApp para atacar a ‘velha política’; depois, elogia Maia

Diante do clima tenso entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), usou o grupo de WhatsApp do partido para criticar a chamada “velha política”, logo após visitar o presidente. “Nosso presidente está certo e também convicto de suas atitudes”, escreveu Vitor Hugo.

“As práticas do passado não nos levaram ao caminho em que queremos estar. Todos nós, em particular do PSL, somos agentes para ajudar a mudar a situação em que nos encontramos”, escreveu. “Temos a possibilidade de escolher de que lado estar... somos todos a nova política.”

Vitor Hugo encaminhou duas mensagens com referência a supostas negociações de cargos nos governos Michel Temer e Dilma Rousseff em troca do apoio do Congresso pela aprovação da reforma como exemplos de “velha política”.

A discussão no grupo ao longo do dia foi intensa. Deputados reclamaram que só o DEM tem espaço na Esplanada e protestaram pela falta de proximidade com o governo. A manifestação do líder do governo na Câmara é mais um capítulo da turbulenta relação que Executivo e Legislativo estão passando depois que Maia cobrou um maior empenho do governo para a aprovação da reforma da Previdência.

Irritado com ataques de bolsonaristas nas redes sociais, Maia disse ao Estado que o governo é um “deserto de ideias”. O presidente rebateu dizendo que o perdoava “pela situação pessoal que vive” – numa referência a prisão do padrasto da mulher de Maia, o ex-ministro Moreira Franco.

No fim da tarde, Vitor Hugo voltou a publicar no grupo. Desta vez em um tom mais apaziguador, com referência à importância de Maia para a aprovação da reforma da Previdência. “O apoio do Maia é importante para a aprovação da Nova Previdência e também do pacote de lei anticrime. Ele mesmo tem sinalizado que cabe ao governo montar sua base e queremos crer que o PSL é pedra fundamental nesse processo”, afirmou.

Ele contou que esteve reunido ao longo da semana com Maia e que também conversou com o ministro da Justiça, Sérgio Moro. “Nesse momento tenso, precisamos buscar pontes.”

Deputado de primeiro mandato, mas com experiência técnica na Câmara, Vitor Hugo tem trabalhado para vencer a falta de vivência política para exercer a função de líder do governo. Ele convocou uma reunião da bancada para amanhã. A reportagem tentou contato com o deputado mas não teve retorno.

Já o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), criticou a articulação política do governo e afirmou que “é um grande equívoco continuar fazendo essa diferença entre nova e velha política”. Ao Estadão/Broadcast, Waldir avaliou que Bolsonaro e Maia estão numa “acirrada disputada pelo nada”. “O governo não precisa de oposição nesse momento. As ações de algumas pessoas do Executivo e do Parlamento criam um tsunami maior do que qualquer pessoa.”

Caminho

“As práticas do passado não nos levaram ao caminho em que queremos estar. (...) Temos a possibilidade de escolher de que lado estar... somos todos a nova política.”

Major Vitor Hugo (PSL-GO)

LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA

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Audiências testam desgaste do Executivo

Camila Turtelli

Teo Cury

25/03/2019

 

 

Oito ministros serão sabatinados no Congresso após a troca de farpas entre Maia e Bolsonaro sobre articulação política

Convidado. Guedes falará no Congresso sobre Previdência

Com as relações entre Executivo e Legislativo estremecidas, oito ministros devem ser sabatinados nesta semana em comissões no Congresso, o que deve servir de teste para o governo medir o tamanho do desgaste político do desentendimento público entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Nos últimos dias, Bolsonaro e Maia discutiram publicamente sobre de quem deve ser a responsabilidade pela aprovação da reforma da Previdência. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, até tentou organizar um encontro entre os dois ontem, mas Maia disse ao Estadão/Broadcast que “prefere esperar”.

As audiências públicas com ministros podem se transformar numa frente de ataques se o governo não tiver base aliada para impedir que a oposição domine a audiência com perguntas direcionadas a constranger o convidado. No dia mais delicado, quarta-feira, 27, oito ministros estarão no Congresso em comissões temáticas. Não é comum tantos ministros num mesmo dia no Legislativo, o que já indica falha na base de apoio, que não conseguiu evitar os convites aos titulares do primeiro escalão.

O primeiro teste será na véspera, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, irá pela primeira vez na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) para falar sobre a reforma da Previdência e a proposta de aposentadoria para os militares, que acompanha um polêmico plano de carreira.

Deputados da oposição e até mesmo governistas preparam uma série de perguntas incômodas ao “superministro” de Bolsonaro – que já foi alertado que a audiência pode virar um “corredor polonês”. No dia seguinte, Guedes volta ao Congresso, desta vez na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, para discutir diretrizes da política econômica. Nesse caso, o ambiente será menos hostil.

O ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), que deve participar de audiência pública com os senadores na quarta-feira na CCJ, também deve ser alvo de questionamento dos parlamentares. “Dentro do pacote dele a coisa que eu acho mais sensível é dar condição de a polícia, no enfrentamento, matar e não dar satisfação ao Ministério Público e à corregedoria. Ou então vai ser uma brincadeira”, disse o senador Otto Alencar (PSD-BA).

Convites. Além de Guedes e Moro, os ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia), Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional), Ricardo Vélez (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) participarão de audiências públicas com parlamentares na quarta. Na terça, Albuquerque participa de uma sabatina no Senado.

O PSB havia protocolado requerimento de convocação de Guedes, mas o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), conseguiu transformar o chamamento em um convite – uma medida menos impositiva. O deputado João Campos (PSB-PE) disse que a ideia é atacar os pontos mais polêmicos da reforma da Previdência, incluindo as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e na aposentadoria rural, além de pedir mais explicações sobre onde e como os recursos com a economia prevista – de mais de um R$ 1 trilhão – serão aplicados.

O líder do PSL na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), sinalizou que até a sigla de Bolsonaro irá cobrar explicações aos ministros sobre a proposta de reestruturação da carreira dos militares. “O governo deixou a reforma para a Câmara fazer mudanças. Agora ele quer uma economia de R$ 1 trilhão ou só 10% disso?”, afirmou.