O Estado de São Paulo, n. 45814, 25/03/2019. Política, p. A8

 

Bolsonaro estimula celebração de 64

Tânia Monteiro

25/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Presidente orienta Forças Armadas a comemorar aniversário do golpe militar de 31 de março; generais, no entanto, pedem prudência

O presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a “data histórica” do aniversário do dia 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o governo João Goulart e iniciou um regime ditatorial que durou 21 anos. Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pedem cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e dos riscos de polêmicas em meio aos debates da reforma da Previdência.

Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (19641985) – o que já gerou insatisfação de parlamentares –, a comemoração da data deixou de ser uma agenda “proibida”. Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos.

Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff, ex-militante torturada no regime ditatorial, orientou aos comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspensão de qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.

O Planalto pretende unificar as ordens do dia, textos preparados e lidos separadamente pelos comandantes militares. Pelos primeiros esboços que estão sendo feitos pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o texto único ressaltará as “lições aprendidas” no período, mas sem qualquer autocrítica aos militares. O período ficou marcado pela morte e tortura de dezenas de militantes políticos que se opuseram ao regime.

O texto também deve destacar o papel das Forças Armadas no contexto atual. De volta ao protagonismo no País, militares são os principais pilares de sustentação do governo Bolsonaro. Por isso, generais da reserva disseram à reportagem que no entendimento da cúpula das Forças Armadas e do próprio • presidente, a mensagem precisa ser “suave”. Eles afirmam que não querem nenhum gesto que gere tumulto porque não é hora de fazer alarde e/ou levantar a poeira. O momento, dizem, é de acalmar e focar em reverter os problemas econômicos, como reduzir o número de desempregados.

Investigações. A suspensão da festa em comemoração a 1964 por Dilma coincidiu com a criação da Comissão Nacional da Verdade. O grupo foi criado pela presidente em meio à pressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de guerrilheiros na região do Araguaia, e da Justiça Federal, que cobrava a entrega de restos mortais a familiares de vítimas da ditadura.

Embora não tenha avançado nos esclarecimentos dos episódios mais emblemáticos do período, a comissão desagradou aos militares. Na época, segundo relato de oficiais, ficou estabelecido uma espécie de acordo informal com o Exército – comandado à época pelo general Enzo Peri – de que não haveria “perseguição”. Oficiais afirmam que Dilma, na ocasião, chegou a dizer: “Não farei perseguição, mas em compensação não quero exaltação”.

Do outro lado, integrantes da comissão chegaram a demonstrar desconforto com a postura do então ministro da Defesa, Celso Amorim, e dos comandantes das Forças Armadas de, segundo eles, não se esforçarem na busca de informações. O relatório final do grupo foi entregue em dezembro de 2014 e considerado um fiasco por pesquisadores e parentes de desaparecidos políticos.

A partir daí, as comemorações nas unidades militares minguaram. A lembrança da passagem do 31 de março ficou limitada às atividades do Clube Militar, com sede no Rio, formado por oficiais da reserva.

Em janeiro de 2016, o então chefe do Comando Militar do Sul, o atual vice-presidente Hamilton Mourão, deixou o posto com um discurso em que citava a derrubada de Goulart. Ele lembrou que assumiu o cargo em 31 de março de 2014. “31 de março, grande data”, disse. Ao lado dele estava o substituto, general Edson Pujol, hoje comandante do Exército.

Cabeceira. O próprio Bolsonaro já declarou ter como ídolo um dos símbolos do regime militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. Ustra foi comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, onde teriam morrido 45 prisioneiros.

Durante a campanha, o presidente disse que seu livro de cabeceira é A verdade sufocada, uma versão de Ustra para os assassinatos de opositores do regime. Na época da campanha eleitoral, generais chegaram a sugerir que Bolsonaro não repetisse a afirmação.

Ao votar pelo impeachment de Dilma, Bolsonaro citou Ustra no discurso, causando polêmica. “Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”, declarou na ocasião em plenário.

'Perderam'

“Perderam em 64, perderam agora em 2016.”

Jair Bolsonaro

ENTÃO DEPUTADO FEDERAL, EM 2016, AO VOTAR PELO IMPEACHMENT DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF

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'Caciques' e militares dominam PSL nos Estados

Pedro Venceslau

Paulo Beraldo

Valmar Hupsel Filho

25/03/2019

 

 

Partido que cresceu com a eleição presidencial de Bolsonaro agora tenta se estruturar ideologicamente nos diretórios estaduais

Líder. Para Delegado Waldir, representação de policiais na bancada se reflete nos Estados

Após experimentar um vertiginoso crescimento em 2018, ao sair da condição de “nanico” para eleger um presidente da República, 52 deputados e 4 senadores, o PSL vem ganhando, em seus diretórios estaduais, uma feição singular que mistura representantes da “nova” e da “velha” política. Entre os dirigentes estão “caciques” locais (políticos de famílias tradicionais), militares, ativistas digitais e empresários.

Os líderes regionais do partido do presidente Jair Bolsonaro não possuem uma pauta nacional e defendem interesses difusos. Esse novo condomínio de poder reúne oito militares, sete empresários, quatro advogados, três ruralistas, uma professora, um médico e um pastor, um vereador e um chefe de gabinete.

Uma mostra da forma como o PSL passou pelo processo de reformulação para receber a candidatura presidencial de Bolsonaro e seus aliados, no ano passado, é que 24 dos 27 diretórios estaduais da legenda operam de maneira provisória e muitos acumulam dívidas, segundo levantamento feito pelo Estado. Em 16 diretórios (AC, AL, AP, AM, GO, MT, PR, RJ, GO, MG, RN, RS, SP, RO, SC e SE) as comissões provisórias foram montadas em janeiro de 2019, com validade de seis meses. Outras sete (BA, CE, ES, MS, PB, PI e TO) estão “vencidas” desde 2018. Apenas quatro (MA, DF e PA) estão regularizados, com direção eleita. Boa parte dos diretórios não têm nem sequer sede própria.

A deputada Bia Kicis (DF) disse que o regimento interno do PSL prevê que filiados com mandato têm prioridade para comandar o diretório estadual. “No Distrito Federal, por exemplo, eu sou a única parlamentar. Então, permanecerei à frente do diretório. Já em São Paulo, que tem vários parlamentares eleitos, isso vai ser definido na base da conversa”, disse.

A falta de filtros na formação do “novo” PSL, entretanto, preocupa os quadros ideológicos do bolsonarismo. “O PSL que disputou a eleição foi criado às pressas. Bolsonaro se filiou aos 44 minutos do segundo tempo e todo mundo foi no embalo. É como uma rede de pesca: entrou de tudo”, disse o deputado estadual paulista Frederico D’ávila, principal representante dos ruralistas no PSL. Ele é defensor da ideia de que a legenda tenha uma “escola de ideologia”. “Nada impede que em alguns lugares o PSL vire um partido de caciques”, disse.

Eleita deputada federal por São Paulo, a ativista digital Carla Zambelli concorda. “Com a eleição do Bolsonaro teve muita gente que veio na onda sem ter a mentalidade conservadora e liberal”, disse.

Apesar da ausência de uma linha ideológica clara, o perfil do PSL nos Estados apresenta uma forte tendência classista em relação à defesa da pauta dos militares. “Um terço da nossa bancada é de policiais civis e militares. Isso reflete nos Estados”, observou o deputado Delegado Waldir (GO), líder do partido na Câmara.

Entre os clãs familiares que comandam o PSL nos Estados, dois se destacam: os Bolsonaro, no Rio, e os Francischini, no Paraná. No caso do Rio, a disputa pelo comando do partido virou uma questão familiar. O vereador Carlos Bolsonaro, que é filiado ao PSC, apoiou o nome deputada estadual eleita Alana Passos para suceder o irmão mais velho no comando do partido, mas Flávio decidiu permanecer na presidência.

Dois dos três governadores eleitos em 2018 presidem a sigla em seus Estados – Coronel Marcos Rocha, em Rondônia, e Antonio Denarium, em Roraima.

Fundo. O único objetivo comum a todas as linhas do PSL é a meta de lançar o maior número de candidatos a prefeito em 2020 para capilarizar a atuação do partido no País. Neste cenário, a sigla deverá discutir na próxima semana as diretrizes para a divisão do Fundo Partidário. Após a eleição, a legenda dos Bolsonaro passou a ter a maior fatia do Fundo – R$ 110 milhões de reais por ter eleito 52 deputados. O valor é 17 vezes maior do que o recebido em 2018.

Para se adaptar à nova realidade, o presidente nacional do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), concentrou o poder de distribuir o comando da legenda entre aliados nos Estados, mas concedeu autonomia para os dirigentes locais. A ideia, segundo ele, é regularizar a situação nacional até junho.

Para o cientista político Rodrigo Prando, da Mackenzie, o PSL “precisa primeiro virar um partido, porque hoje ele é um conjunto de interesses reunidos em torno da vitória do Bolsonaro”. “A maioria dos seus integrantes recusa essa socialização que existe nos partidos.”

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Plantonista manda soltar segundo preso temporário

Renata Batista

25/03/2019

 

 

A desembargadora Simone Schreiber, plantonista do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, determinou na tarde de ontem a libertação de Carlos Jorge Zimmermann.

Foi o segundo preso da Operação Descontaminação a ter o pedido de habeas corpus acatado. Na ação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, na semana passada, foram levados à cadeia o ex-presidente Michel Temer, o ex-ministro de Minas e Energia Moreira Franco e outras oito pessoas.

No despacho, a desembargadora estende a Zimmermann a decisão que libertou no sábado Rodrigo Castro Alves Neves. Os dois tinham sido presos em caráter temporário, diferentemente dos outros oito presos na operação, inclusive Temer e Moreira Franco, cujas reclusões são preventivas. Zimmermann e Neves são acusados de receber recursos da Eletronuclear por meio de contratos fictícios e repassar para o ex-presidente.

A desembargadora entendeu que prisões temporárias e preventivas para efeito de interrogatório de investigados, conforme justificado pelo juiz Marcelo Bretas, são inconstitucionais. Para ela, ferem igualmente os princípios de não autoincriminação e de presunção de inocência.