Correio braziliense, n. 20450, 18/05/2019. Política, p. 2

 

Deputados querem reformular PEC da Previdência

Alessandra Azevedo

18/05/2019

 

 

Comissão Especial da Câmara pretende mudar significativamente o texto enviado pelo governo. Com o substitutivo, a ideia é que o Congresso assuma de vez a paternidade da reforma

Com o relacionamento entre o Planalto e o Congresso fragilizado pelas constantes diferenças, os deputados resolveram assumir de vez a paternidade da reforma da Previdência. Na Comissão Especial que discute o tema, eles pretendem mudar significativamente o texto original da proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019, enviada em fevereiro pelo governo. A ideia é que o substitutivo — que é elaborado pelo relator, com base nas emendas sugeridas pelo colegiado — retire a digital do presidente Jair Bolsonaro da matéria.
O substitutivo é o texto colocado em votação depois das discussões na Comissão Especial, como reforçou ontem o relator da matéria, Samuel Moreira (PSDB-SP). “Na reforma do Temer, meu amigo e competente deputado relator, Arthur Maia (DEM-BA), apresentou um substitutivo”, lembrou, no Twitter. A tarefa do relator é decidir a quantidade e o conteúdo das emendas que serão aproveitadas, o que pode ou não resultar em uma mudança capaz de “desfigurar” a proposta inicial.
Boa parte dos deputados da comissão defende que o caminho seja justamente esse, de afastar o máximo possível o texto do que veio do Executivo. Eles dizem que não querem ser meros “carimbadores” da proposta de Bolsonaro, que não tem contribuído para conseguir os 308 votos necessários para aprovação no plenário. O presidente da Comissão Especial, Marcelo Ramos (PR-AM), disse ao Correio que o objetivo é que a Câmara tenha “maior protagonismo” na reforma.
A ideia, segundo Ramos, conta com a aprovação de parlamentares de vários espectros políticos e até do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que começou a conversar sobre o assunto na última quinta-feira. “Ele está de acordo, está disposto. Não vamos deixar de fazer o que o Brasil precisa”, afirmou o presidente do colegiado. Desde o início da tramitação, Maia tem se esforçado mais do que Bolsonaro em busca de apoio. Além disso, o deputado tem interesse em “blindar” a pauta econômica, que ele defende, das polêmicas do governo.
De acordo com o cronograma da comissão, que deve ser mantido, o substitutivo será apresentado por Moreira no início de junho e aprovado no mesmo mês. O relator, segundo Ramos, considera fazer “alterações significativas no projeto”, mas não vai abrir mão da economia prevista com a PEC enviada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes: por volta de R$ 1 trilhão em 10 anos.
Essa é a aposta do secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. “Na medida em que formos sendo consultados a respeito, claro que há possibilidade de alguma transigência, desde que seja mantido o impacto fiscal”, explicou ao Correio. Segundo ele, Moreira tem sido “extremamente colaborativo” nas conversas com a equipe econômica e com parlamentares. “Mas é claro que ele tem legitimidade, autoridade e condição de propor as alterações que achar convenientes. Ele tem dito para nós que pretende manter o impacto fiscal”, comentou o secretário.
Plenário
Caso receba o aval do colegiado, o substitutivo vai para análise do plenário. “Não reinicia a tramitação. A ideia é que o relator, após receber todas as emendas, construa um texto que mantenha a potência fiscal na ordem de R$ 1 trilhão e que contemple os deputados, de forma a garantir os 308 votos que o governo não tem conseguido garantir”, explicou Ramos. Os parlamentares podem apresentar emendas até o fim do mês. “A ideia é construir uma proposta que seja um mix das proposições”, explicou o presidente da comissão.
Muitas das propostas que podem ser incluídas no substitutivo já foram discutidas durante a transição do governo, como a do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que participou da campanha presidencial de Ciro Gomes. O pedetista sugere, entre outros pontos, um sistema de capitalização com contribuição patronal obrigatória.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Governo avalia mudar cálculo

Cláudia Dianni

18/05/2019



O governo avalia mudar a forma de calcular os benefícios da nova Previdência, por causa de uma falha que pode fazer pessoas que contribuam mais receberem aposentadorias menores, conforme revelou o Correio em reportagem publicada em 7 de abril. O erro foi discutido em audiência pública na Comissão Especial da Câmara, que avalia a proposta de emenda à Constituição (PEC 6/2019), na semana passada, quando o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), questionou o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A falha foi descoberta pelo analista financeiro Márcio Carvalho, doutor em matemática aplicada pela Universidade do Colorado (EUA). Em resposta a Molon, Guedes disse que “confia na equipe econômica, mas que ela não é infalível” e se comprometeu a pedir uma revisão. Na semana passada, o estudo do matemático chegou às mãos da equipe econômica, que deverá incluir a correção, entre outras alterações, no substitutivo a ser votado na Comissão Especial. Se aprovado, o texto segue para votação em duas sessões nos plenários da Câmara e do Senado.
A incoerência no cálculo do Regime Geral ocorre quando um trabalhador contribuiu por um salário mais baixo e, mais tarde, ou mais cedo, em seu histórico, contribui por um salário três vezes maior. Por exemplo, um trabalhador que tenha contribuído por 20 anos pelo teto, ou seja, sobre um salário de R$ 5.839,45, teria direito a 60% do valor integral do benefício pelas regras do texto do governo,  portanto, seu benefício seria de R$ 3.503,67. Mas se outro trabalhador que tivesse contribuído também por 20 anos sobre o teto fosse despedido e conseguisse um novo trabalho com salário de R$ 1 mil, ou tivesse esse salário no início de sua carreira, por cinco anos, a média de todos os seus 300 salários seria de R$ 4.871,45, menor do que a do exemplo anterior.
Considerando as regras da PEC, ele teria direito a 60% do valor do benefício pelos 20 anos de trabalho e mais 10% (2% por ano) pelos cinco anos que contribuiu pelo mínimo. Nesse caso, teria direito a 70% do benefício integral, ou seja, R$ 3.410,09, valor 2,7%  menor do que o exemplo anterior. A proposta que tramita na Câmara considera a média de 100% das contribuições e não os 80% maiores salários, com é atualmente.
Judicialização
Para Holden Macedo, defensor público federal de categoria especial da Defensoria Pública da União, o erro fere o princípio da razoabilidade da Constituição e, se não for ajustado, deixa a nova Previdência vulnerável a Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin). “O cálculo fere claramente o princípio da razoabilidade. Não faz sentido pagar mais para ganhar menos, assim como não é razoável legislar para fazer esse tipo de mudança”, disse.
Para ele, o erro deveria ter sido corrigido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. “Esse cálculo deixa a Previdência vulnerável à judicialização e a ações diretas de inconstitucionalidade, que podem ser impetradas por associações de classe, partidos políticos, sindicatos, causando prejuízo ao Erário público, pois são ações facilmente comprováveis, que vão gerar esqueletos, aumentando ainda mais o passivo do governo e gerando insegurança”, ressaltou.