Título: Dilma e a ONU esvaziada
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Fonte: Correio Braziliense, 26/09/2012, Opinião, p. 14

A presidente Dilma Rousseff, no discurso de abertura da 67ª Assembleia Geral das Nações Unidas, foi pelo menos coerente com a posição defendida pelo Brasil em relação ao conflito interno da Síria. Ao cabo de 18 meses de confronto entre as forças do governo de Bashar al-Assad e grupos armados de opositores ao regime, a Síria conta cerca de 30 mil mortes e o mundo não vê o menor sinal de solução, pacífica ou não. A verdade é que a Síria se tornou capítulo mal resolvido da Primavera Árabe, movimento popular que varreu nações do norte da África ao Oriente Médio e derrubou ditaduras históricas e violentas como as do Egito e da Líbia.

A diferença é que o país comandado com mão de ferro pela família Assad é peça no tabuleiro de grandes e antigos interesses internacionais. Com a Rússia a favor do regime de Assad e os Estados Unidos contra, para citar os mais poderosos e mais explicitamente envolvidos, logo surgiram apoios e suprimentos vindos de vizinhos agressivos ou mais enriquecidos pelo petróleo. Assim, ao mesmo tempo em que Bashar al-Assad encontrou forças para resistir a todo custo ao movimento popular que vinha sendo bem-sucedido na região, os opositores se armaram para enfrentar a frieza com que as tropas oficiais passaram a disparar armas pesadas contra eles.

As populações de cidades pequenas e médias da Síria, especialmente mulheres e crianças, foram afetadas à medida que o conflito se estendeu, gerando milhares de desabrigados e refugiados na vizinhança. O acirramento das posições e o fracasso das tentativas de organismos multilaterais, a começar das Nações Unidas, acabaram por gerar situação de total impasse. Não foi sem motivo que o experiente diplomata e secretário-geral da ONU por 10 anos, Kofi Annan, desistiu, há pouco mais de um mês, da missão de enviado da entidade à Síria.

O igualmente calejado diplomata Lakhdar Brahimi, que substituiu Annan, também não tem conseguido avanços. Pelo contrário. Ele vem alertando o mundo para o risco de a situação contaminar as relações internacionais em escala mais ampla. Brahimi parece ter razão, pois é crescente a pressão do governo dos Estados Unidos – atualmente envolvido em duríssima campanha eleitoral e precisando emitir sinais de firmeza para o público interno – para que os aliados e a própria ONU adotem medidas mais duras contra a Síria, não descartando intervenção militar.

"Hoje assistimos consternados à evolução da gravíssima situação da Síria. O Brasil condena, nos mais fortes termos, a violência que continua a ceifar vidas nesse país", discursou Dilma. Ela acerta ao defender o diálogo e o reconhecimento de culpa das partes envolvidas por excessos cometidos. Mas Dilma pode ter falado ao vento e em local sem eco. O impasse da Síria é apenas mais um aviso do preço que o mundo civilizado terá de pagar pelo esvaziamento político da ONU. Faz bem o Brasil em ficar de fora de ação armada naquele país. A luta que melhor nos cabe é a da reformulação do organismo máximo da multilateralidade e da boa vontade entre as nações.