Título: Proteção a áreas rebeldes
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 26/09/2012, Mundo, p. 19
Durante discurso em Nova York, o presidente francês, François Hollande, defende que as Nações Unidas viabilizem a ajuda humanitária em regiões controladas pela oposição. ONG divulga relatório sobre violência contra crianças
Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente da França, François Hollande, avisou que o regime de Bashar Al-Assad não tem futuro na comunidade internacional, prometeu reconhecer um governo de oposição na Síria e defendeu proteção às "zonas liberadas" no país. "Eu peço à ONU que imediatamente ofereça ao povo sírio toda a ajuda solicitada e que proteja as áreas liberadas, enquanto assegura ajuda humanitária aos refugiados", afirmou Hollande. Do alto da tribuna, ele não se intimidou e atacou a "inércia" do Conselho de Segurança. "A cada dia, mais de 4 mil homens, mulheres e crianças se tornam vítimas da repressão cega. Como podemos continuar a aceitar a paralisia da ONU?", questionou. Por sua vez, o secretário-geral Ban Ki-moon qualificou a situação na Síria de "calamidade regional com ramificações globais". Ele exortou o Conselho a apoiar, "de maneira sólida e concreta os esforços" de Lakhdar Brahimi, enviado da ONU e da Liga Árabe à Síria.
Também estreante no principal fórum político global, o presidente do Egito, Mohammed Morsy, se opôs a uma intervenção estrangeira, mas admitiu que Al-Assad deveria abandonar o poder. "Sou contra uma intervenção estrangeira pela força no que está ocorrendo na Síria", declarou. "Não aprovo e acredito que, se ocorresse, seria um grave erro", acrescentou, em entrevista à rede de tevê estatal americana PBS. "Ao presidente Al-Assad, não resta alternativa a não ser ir embora. Não há espaço para reformas políticas. O povo quer mudanças e a vontade popular tem que ser respeitada", comentou. De acordo com Mohammed Morsy, que ascendeu ao governo depois da queda do ditador Hosni Mubarak, uma solução militar não acabará com a revolução.
Enquanto as Nações Unidas eram utilizadas por líderes mundiais como palanque contra Al-Assad, um relatório divulgado pela organização não governamental britânica Save the Children denunciava as barbáries cometidas pelas tropas do regime contra as crianças. Em 48 páginas, o inédito documento intitulado Untold atrocities: the stories of Syria"s children ("Atrocidades inimagináveis: as histórias das crianças da Síria) traz 14 depoimentos de menores que sofreram tortura e presenciaram a morte (veja o quadro). "O que me lembro da Síria? Eu me recordo que quando havia bombardeio, corríamos para um abrigo. Lá dentro, crianças gritavam a choravam muito. Eu me lembro de que muitas crianças foram torturadas. Por causa do que ocorreu na Síria, eu não brinco mais. Eu sinto falta de minha casa, de meu bairro e de jogar futebol", contou Hassan, 14 anos, que hoje vive com os pais e os irmãos em uma tenda no campo de refugiados de Za"atari, na Jordânia.
Preso pelos pulsos Kathryn Bolles, diretora de Emergência em Sáude e Nutrição da Save the Children, relatou ao Correio ter escutado "histórias horrorosas" de sírios, durante sua visita ao campo de refugiados de Za"atari, próximo à cidade de Mafraq, na fronteira com a Jordânia. "Quase todas as crianças com quem falamos tiveram um membro da família assassinado. São experiências que nenhuma criança deveria ter", afirmou. "Há histórias de um menor pendurado ao teto pelos pulsos, de um outro que presenciou a mãe e as irmãs serem baleadas, e um terceiro que viu uma criança de seis anos tendo as unhas arrancadas. A violência tem que parar", cobrou.
A Save the Children pediu que as agências humanitárias tenham acesso imediato e irrestrito à Síria. "Apelamos a Ban Ki-moon garantir que a ONU e seus países-membros façam o possível para ter a certeza de que cada crime contra as crianças seja documentado e investigado", disse Bolles. A ativista assegurou que os menores sírios precisam de cuidado psicológico especial, depois de testemunhar as barbáries. "Trabalhamos para ajudar a aliviar os impactos dessas experiências nas crianças e fornecemos apoio de especialistas para aquelas que apresentam sinais de aflição."
No 564º dia de confrontos, o regime de Al-Assad anunciou ontem a tomada de Arkoub, importante bairro de Aleppo (norte), a capital financeira do país. No entanto, entidades não governamentais relatam que os combates prosseguem na área. Até o fechamento desta edição, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos tinha contabilizado 101 mortos — 59 civis desarmados (incluindo quatro crianças), 16 rebeldes e 26 soldados.