Título: Dilma longe da crise
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Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2012, Política, p. 2

Nova York — Enquanto os petistas se desdobram nesses dias decisivos para tentar angariar espaço eleitoral em meio ao julgamento do mensalão, a presidente Dilma Rousseff dedicará a semana à agenda externa. Ela desembarca hoje nos Estados Unidos, onde participará da abertura da 67ª Assembleia Geral das Nações Unidas na terça-feira. Anos-luz distante do julgamento e das eleições, ela aproveitará o discurso a título de contraponto à situação dos antigos líderes de seu partido no Supremo Tribunal Federal. Lembrará, por exemplo, que, enquanto alguns países fecham postos de trabalho, o Brasil consegue criar oportunidades de emprego, mas que tudo isso seria melhor se houvesse um reforço ao "multilateralismo", tanto no contexto econômico quanto político, em especial, para uma solução pacífica dos conflitos que se agravam no dia a dia de diversas nações.

Dentro do governo brasileiro há a certeza de que as grandes nações estão falhando como intermediadoras de conflitos. Não venceram o que o Palácio do Planalto chama de "desafios da paz". Na Síria, não conseguiram acabar com a guerra civil do regime de Bashar Assad. E também ainda não encontraram um caminho seguro para sair da crise econômica que afeta em especial a Europa. Nem mesmo a participação da Palestina como estado-membro da ONU chega a um desfecho, em especial por causa das pressões de Israel.

Nesse contexto de tantos temas pendentes, a presidente brasileira reforçará a cobrança feita em seu primeiro discurso na ONU, ao abrir a 66ª Assembleia Geral no ano passado (leia ao lado). Ali, Dilma cobrou um Conselho de Segurança ampliado para resolução dos conflitos, como o da Síria. Falou ainda que a crise global não era só econômica, mas de governança e de coordenação política. Ela chegou a alertar que se a situação não fosse contida, poderia se transformar em uma ruptura sem precedentes.

A ruptura prevista por Dilma não ocorreu, mas, ao mesmo tempo, segundo avaliação do governo, as principais economias não avançaram na governança global e nem na coordenação política. Por isso, a presidente repisará a tecla de que é necessário ampliar a participação de outros países não só no Conselho de Segurança, como também no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento e demais organismos multilaterais, com reforço ao papel do G20 e dos Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Dilma participará de reuniões do Brics e do G4 (Alemanha, Japão, Índia e Brasil). A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediram reunião com Dilma.

Palestina

Dilma Rousseff apoiará o pedido do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, de um reconhecimento como estado não membro da ONU. No ano passado, Abbas tentou emplacar a Palestina como estado soberano na ONU. O pedido precisava passar pelo Conselho de Segurança, mas não obteve votos suficientes graças à pressão dos Estados Unidos. Desta vez, os palestinos discursam na quinta-feira, quando Dilma já estará de volta ao Brasil para receber o primeiro-ministro inglês, David Cameron.

No ano passado, Dilma conversou com Cameron em Nova York, mas, desta vez, com a agenda mais apertada, a presidente restringiu os encontros bilaterais. A ideia é que, além do encontro reservado com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, Dilma participe apenas de encontros multilaterais. A conversa com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dada como certa há alguns dias, não se confirmou e, na sexta-feira, o chanceler Antonio Patriota descartou o encontro.

Obama está focado na campanha pela reeleição. E hoje não há clima para conversas, especialmente, depois de o Brasil classificar como "inaceitável" o pedido do governo norte-americano para que se reconsidere o aumento das tarifas de importação que podem prejudicar as exportações dos Estados Unidos. Como o Brasil não pode ajudar Obama nesse quesito econômico, também não pretende atrapalhá-lo dizendo de viva voz que não haverá refresco em relação às tarifas.

Memória

Um pito na estreia

A presidente Dilma Rousseff se tornou em 21 de setembro do ano passado a primeira mulher a abrir uma Assembleia Geral das Nações Unidas. Diante de uma plateia formada por 130 chefes de Estado e outros representantes, num total de 193 países, Dilma fez um discurso de 24 minutos, interrompido seis vezes por aplausos, e passou um pito em todos os comandantes do primeiro mundo ao citar a crise econômica mundial e o aumento do desemprego. "Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permita-me dizer, por falta de recursos políticos e de clareza de ideias", afirmou. A presidente brasileira aproveitou para lançar a todos o desafio "de substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por novas formulações para um mundo novo". Dilma defendeu ainda controles à guerra cambial, com adoção de regimes de câmbio flutuante. "Trata-se de impedir a manipulação do câmbio tanto por políticas monetárias excessivamente expansionistas como pelo artifício do câmbio fixo", afirmou, num recado direto aos chineses.