Correio braziliense, n. 20451, 19/05/2019. Brasil, p. 8

 

Brumadinho tenta renascer da lama

Beatriz Roscoe

19/05/2019

 

 

Tragédia » Pouco mais de 100 dias após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, que deixou centenas de mortos e muita destruição, o município mineiro luta contra as dificuldades para se reerguer. Turismo é visto como o caminho para a recuperação

Brumadinho (MG) — O dia 25 de janeiro marcou para sempre a história do município de Brumadinho, em Minas Gerais. Após  um estrondo, a barragem da Vale no Córrego do Feijão se rompeu, e a lama destruiu famílias, moradias e estabelecimentos comerciais. Foram 240 mortos identificados, e 32 pessoas seguem desaparecidas. O destino da região mudou tanto quanto a paisagem — de serras e fartura de verde para o cenário de lama e destruição.

Pouco mais de 100 dias desde a tragédia que mudou de vez a vida de moradores, a cidade enfrenta dificuldades para se reerguer. O maior motivo é a redução drástica do turismo, a segunda maior atividade econômica do município (atrás apenas da mineração). Desde o rompimento da barragem da Vale, restaurantes, pousadas, hotéis e serviços de entretenimento passam por crise. Alguns estão, inclusive, fechando as portas devido à baixa no fluxo de visitantes. Em 24 de janeiro, véspera do rompimento, hotéis e pousadas tinham uma taxa de ocupação entre 80% e 100%. De 25 de janeiro até meados deste mês, o máximo de ocupação foi de cerca de 20%.

A maioria das pessoas que ocupam hoje pousadas e hotéis não são turistas, mas moradores do município que perderam suas casas e vivem temporariamente nos estabelecimentos, com diárias pagas pela Vale.

De acordo com o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Aldinei Pereira, o impacto foi grande no comércio: redução de 50% a 70% nos negócios nos primeiros meses após a tragédia.

Para Eliane Castro, vice-presidente da Associação de Turismo de Brumadinho e Região (ATBR), potenciais turistas acreditam que a cidade está toda debaixo da lama e, por isso, deixaram de visitá-la. No entanto, apenas 5% do território de Brumadinho foi afetado fisicamente pelo rompimento da barragem, e 95% não sofreu nenhuma alteração. “As pessoas buscam por Brumadinho na internet e só o que veem é lama, mas muita coisa não foi afetada. As pousadas estão abertas; os restaurantes, funcionando; e os acessos à cidade, livres”, destaca. “Então, a gente precisa que as pessoas voltem a visitar. À medida que a cidade volta a funcionar com alguma normalidade, conseguimos superar mais rapidamente.”

Vasto território

Brumadinho tem 639,4km² de extensão, basicamente o dobro da capital mineira, Belo Horizonte (331,4km²). O território conta com cinco distritos, sendo eles a sede do município, Aranha, Conceição de Itaguá, Piedade do Paraopeba e São José do Paraopeba, além de vários povoados. Apenas uma pequena parte do município foi atingida pela lama. A paisagem da cidade difere um pouco das imagens apresentadas por buscadores da internet. Brumadinho tem aparência praticamente normal, exceto por obras, como uma nova ponte que a Vale construiu para reparar os danos a um dos acessos ao município, que havia sido afetado pelo rompimento da barragem.

Além disso, é possível ver filas nos bancos e na sede que a mineradora montou para realizar os pagamentos de indenizações aos moradores. Antes da tragédia, a população era de 34 mil habitantes, mas agora cresceu bastante, porque pessoas de regiões próximas foram prejudicadas com o desastre e estão na cidade requisitando da Vale a reparação financeira. Embora não existam dados atualizados, especula-se que a população do município, no momento, é maior que o dobro do número oficial de habitantes.

Cristóvão Lana tem 62 anos e trabalha há mais de duas décadas com turismo em Brumadinho. Ele e o filho têm uma cooperativa de transporte de turistas (transfer) e veículos para locação, mas, desde o rompimento da barragem, eles precisaram vender dois carros. “Se (a mineração) tivesse mais segurança, não teria acontecido tudo o que aconteceu. Mas eu sou otimista, acho que não tem como piorar mais”, diz. “Eu tenho fé de que agora as coisas vão melhorar. As pessoas precisam voltar a frequentar Brumadinho para que a gente consiga se restabelecer.” *Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa

A repórter viajou a convite da ATBR

Frase

“Eu tenho fé de que agora as coisas vão melhorar. As pessoas precisam voltar a frequentar Brumadinho para que a gente consiga se restabelecer”

Cristóvão Lana, dono de uma cooperativa

240

Número de mortos identificados. Há 32 pessoas desaparecidas

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Assistência aquém do necessário

19/05/2019

 

 

 

 

A Vale está realizando pagamentos emergenciais para todos que residiam em Brumadinho e nas proximidades até o dia do rompimento da barragem. Mais de 45 mil pessoas receberam os valores não só em Brumadinho como também em Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim e Juatuba. Cerca de 55 mil registros foram agendados, e 78 mil se cadastraram nos Postos de Registro de Indenização (PRI). Além disso, foram criados pontos de atendimento para prestar serviços de acolhimento às famílias, como triagem e encaminhamento de desabrigados para hotéis, registro dos familiares com mortos e desaparecidos para recebimento de doações, entregas de chips de celular pela Defesa Civil às famílias, suporte assistencial e psicológico e refeitório com alimentação gratuita.

Lorraine Nascimento tem 18 anos e mora em Brumadinho desde os 4. Ela sempre passava pelo Córrego do Feijão no caminho da escola. A jovem trabalha como monitora de arvorismo em um parque ecológico local, que também está prejudicado com o baixo fluxo de turistas. “Hoje, você vê que o psicológico das pessoas foi muito afetado, é muito complicado. Eu acho que nossa vida não vai voltar a ser o que era. Até no caminho que a gente passava todos os dias tem família que está se mudando, porque não quer mais ficar aqui, relembra a dor o tempo inteiro”, conta. “Um pedacinho de Brumadinho foi levado com a lama. É muito doloroso passar por perto e imaginar a cena, lembrar dos nossos entes queridos.”

Segundo a Prefeitura de Brumadinho, a assistência prestada pela Vale está ainda muito aquém do necessário. O órgão alega dificuldade no recebimento das multas ambientais, falta de apoio para estruturação de um distrito industrial que permita diversificar a matriz econômica e ausência de respaldo para infraestrutura, como pavimentação de trechos afetados.

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Campanha para atrair turistas

19/05/2019

 

 

 

A Associação de Turismo de Brumadinho e Região (ATBR) lançou a campanha Abrace Brumadinho, com o intuito de atrair de volta o fluxo de visitantes para o município. Segundo a vice-presidente da associação, Eliane Castro, o local precisa do turismo para se reerguer. “Se além da tragédia da Vale nós tivermos desemprego crescendo, empreendimentos fechando as portas por falta de público, teremos uma segunda tragédia. Precisamos recomeçar”, afirma.

A campanha ressalta as diversas opções locais de turismo, como o Instituto Inhotim, o maior museu a céu aberto da América Latina. Há também locais para a prática de arvorismo, rapel e outros esportes radicais, como voos de parapente na serra; trilhas de ciclismo, pousadas aconchegantes, restaurantes de gastronomia mineira, passeios históricos em comunidades quilombolas.

Para Leonardo Esteves, presidente da ATBR, este é o momento em que os brasileiros podem ajudar a cidade e aproveitar para turistar. “É preciso caminhar, olhar para frente, para tentar encontrar um futuro e retomar expectativas. É uma cidade muito bonita, de um povo acolhedor, e a lama agora faz parte da nossa história, mas somos muito maiores do que isso.”

Visitas escassas

O Instituto Inhotim costumava receber cerca de três mil visitantes por fim de semana. A queda na frequência, desde a tragédia, foi de 90%.