O Estado de São Paulo, n. 45817, 28/03/2019. Internacional, p. A12
May promete renunciar em troca de avanço no Brexit, mas ainda busca votos
28/03/2019
Grã-Bretanha. Primeira-ministra aceita deixar cargo se seu plano para o Reino Unido deixar a União Europeia, rejeitado duas vezes pelo Parlamento, for finalmente aprovado; oferta ainda não é suficiente para resolver impasse, pois bloco norte-irlandês é contrário
Em um sinal de que reconhece ser mais impopular que o próprio plano apresentado por ela para tirar o Reino Unido da União Europeia, uma proposta rejeitada duas vezes pelo Parlamento, a primeira-ministra Theresa May aceitou ontem renunciar se seu texto for aprovado. A oferta dela foi aceita por parte dos conservadores que advogam por um Brexit sem acordo, uma ruptura radical com a UE, mas não encontrou respaldo no DUP, partido unionista da Irlanda do Norte.
Com isso, May não tem os votos para aprovar o acordo, caso ele vá para uma terceira votação na Câmara dos Comuns. Nem mesmo a nova votação do acordo é dada como certa, uma vez que o presidente da Casa, John Bercow, levantou impedimentos regimentais contra a manobra.
A oferta de renúncia foi feita dias depois de May conseguir com representantes da UE em Bruxelas um adiamento do prazo para o Reino Unido deixar o bloco para 12 de abril e de os membros da Câmara dos Comuns terem tirado do Executivo o comando do processo do Brexit.
Desde janeiro, May não consegue a maioria dentro de sua coalizão para aprovar o acordo em virtude de uma cláusula que prevê a manutenção do Reino Unido nas regras da UE caso não haja uma solução para a fronteira entre as duas Irlandas.
Em virtude do Tratado da Sexta-Feira Santa, que pacificou a região em 1998, não pode haver fronteira física na ilha. Os conservadores mais radicais pró-Brexit e o DUP não aceitam que a Irlanda do Norte fique separada de alguma forma do restante do Reino Unido. Apesar disso, o acordo negociado por May com Bruxelas prevê todos os termos exigidos pela campanha pela saída da União Europeia, como o fim do fluxo livre de pessoas no país, a jurisdição da Corte Europeia de Justiça sobre o Reino Unido e as contribuições financeiras do Estado britânico a Bruxelas.
Ontem, o Parlamento britânico votou oito possíveis opções ao Brexit, após tomar o controle sobre o processo de saída das mãos do governo na segunda-feira. Nenhuma das propostas obteve maioria. Após a divulgação dos resultados, os parlamentares iniciaram um debate sobre seus próximos passos. Hoje eles devem definir se votam novamente o plano proposto por May amanhã, ou se avaliam novas propostas na segunda-feira.
Promessa. “Ouvi com clareza a vontade do Partido Conservador”, disse May na reunião. “Sei que há o desejo de novos líderes na segunda fase do Brexit e não serei um obstáculo para isso.”
Segundo comunicado divulgado por seu gabinete, a premiê disse estar preparada para deixar o cargo antes do previsto, após forte pressão do próprio partido diante de seu desgaste para negociar o Brexit . “Farei o que é correto para nosso país e nosso partido”, acrescentou May.
A oferta de May foi bem recebida pelo ex-secretário do Exterior Boris Johnson, um dos líderes pela campanha do “não”, que almeja substituí-la no cargo. Um dos principais aliados de May, Jacob Rees-Mogg, que liderava a campanha contra o acordo, agora diz que pretende votar a favor do texto.
Apesar disso, não é garantido que May consiga o apoio de toda a bancada conservadora. O DUP, com dez votos cruciais para garantir a maioria de May no Parlamento, afirmou que segue contra o acordo e não se absterá da votação. “Não concordamos com nada que ameace a integridade do Reino Unido”, disse a líder do partido, Arlene Foster.
O líder trabalhista Jeremy Corbyn criticou a decisão de May e não deu sinais de que vá votar a favor do acordo. Segundo ele, a barganha oferecida pela primeira-ministra mostra que o impasse no Brexit se deve a uma disputa pela liderança do Partido Conservador e do cargo de premiê.
Caso o acordo não seja aprovado até 12 de abril, o Reino Unido pode pedir uma prorrogação do prazo até maio, desde que participe das eleições europeias de junho.
PARA ENTENDER
O temor de uma nova fronteira
O partido da Irlanda do Norte, DUP, que defende a união com o Reino Unido, teme que o acordo de Theresa May recrie uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a Irlanda. A construção de um eventual posto de fronteira seria contrário a um dos pontos-chave do acordo de paz de Sexta-feira Santa, que pôs fim, em 1998, ao conflito histórico entre os católicos, republicanos e nacionalistas do IRA e os unionistas protestantes.
POSSÍVEIS SUCESSORES
Boris Johnson
Ex-chanceler
O ex-prefeito de Londres foi um dos artífices da vitória do Brexit em 2016. Criticava a estratégia de May e renunciou ao cargo de chanceler em julho. Popular e politicamente hábil, ‘Bojo’, de 54 anos, divide opiniões entre os conservadores
Michael Gove
Ministro do Meio Ambiente
Eurocético de 51 anos, foi o braço direito de Boris Johnson durante a campanha do plebiscito de 2016 e é um dos fortes defensores do Brexit no governo May. Deve entrar na corrida pela liderança do Partido Conservador
Dominic Raab
Ex-ministro do Brexit
Fervoroso defensor da saída da UE, o ex-advogado especializado em direito internacional foi ministro do Brexit entre julho e novembro. Eurocético, pediu demissão por não concordar com o texto negociado por May com a UE
Jeremy Hunt
Atual chanceler
Ex-empresário, de 52 anos, defendeu a permanência na UE em 2016, mas mudou de ideia decepcionado com a atitude “arrogante” de Bruxelas nas negociações. Forjou reputação de pessoa que não tem medo de desafios
Sajid Javid
Ministro do Interior
Ex-banqueiro de 49 anos e filho de motorista de ônibus paquistanês, ganhou respeito por lidar com um escândalo sobre o tratamento dos filhos de imigrantes. É partidário do thatcherismo e do livre-comércio. Foi contra o Brexit em 2016
Amber Rudd
Ministra do Trabalho
Teve uma carreira em finanças e no jornalismo econômico e acompanhou May em sua ascensão ao poder. Aos 55 anos, tem uma reputação de trabalhadora e eficaz. Apontam como seu ponto fraco sua reputação pró-Europa