O Estado de São Paulo, n. 45817, 28/03/2019. Economia, p. B7

 

Câmara ameaça votar repasse de 39 bi a Estados

Camila Turtelli

Adriana Fernandes

28/03/2019

 

 

Valor seria compensação para governos regionais à Lei Kandir, que desonerou ICMS das exportações; bancada ruralista articula votação

Audiência. Guedes criticou ontem no Senado a Lei Kandir

A Câmara dos Deputados ameaça votar projeto que obriga o governo federal a repassar R$ 39 bilhões aos Estados como compensação da Lei Kandir, que desonerou o ICMS das exportações. A articulação parte, principalmente, de parlamentares da bancada ruralista e vem no rastro da aprovação relâmpago, na noite de terça-feira, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que amarra ainda mais a gestão do Orçamento. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no entanto, diz que espera o “sinal verde” da equipe econômica para pautar o projeto.

A área econômica trabalha nos bastidores para barrar mais essa pauta-bomba para as contas públicas com a negociação conjunta de um programa de ajuda aos Estados. A estratégia é buscar diálogo e negociar com os parlamentares e governadores acordo para um novo projeto, que inclui a divisão com Estados e municípios de recursos da exploração do pré-sal. A elaboração do projeto já vinha sendo negociada, mas a crise política colocou os repasses da Lei Kandir na ordem do dia.

O governo não incluiu no primeiro relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento previsão de despesas para compensar a Lei Kandir em 2019, o que desagradou aos governadores e suas bancadas. Guedes quer acabar com a compensação da Lei Kandir aos Estados, que não considera mais devida, e substituí-la por um acordo global que pode garantir mais recursos para os governos regionais nas próximas décadas via uma divisão do Fundo Social do pré-sal. “Os Estados nem sonham com os recursos que vão começar a receber quando o petróleo sair do chão”, afirmou o ministro em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Guedes afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU) analisou a questão e isentou a União da dívida, como antecipado pelo Estadão/Broadcast.

Na avaliação de um integrante da equipe econômica, o novo formato do Fundo Social ao longo do tempo pode ser melhor para todos os Estados do que a Lei Kandir. A fonte destaca que é preciso buscar diálogo aberto e maduro com o Congresso e mostrar que a União não tem dinheiro para compensar a Lei Kandir. O corte de R$ 30 bilhões do Orçamento seria uma prova.

Desenho. A nova proposta que está sendo desenhada para o Fundo Social vai pegar parte da receita da União com a exploração do pré-sal para dividir com os Estados. Como vai aumentar muito a produção de petróleo, inclusive com o leilão dos barris excedentes da cessão onerosa, ganharão uma receita recorrente por mais de 30 anos.

O impasse em torno do tema é que os Estados querem dinheiro novo no caixa para enfrentar a crise financeira em 2019 e essa divisão só poderá ocorrer em 2020, depois de mudança na legislação do pré-sal. É que os recursos do fundo não podem ser compartilhados agora porque, pela legislação atual, a divisão traria impacto fiscal negativo nas contas públicas, já que têm que ser contabilizados como despesa primária.

O deputado Silvio Costa Filho (PRB-PE), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Novo Pacto Federativo, apresentou para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma pauta prioritária para os municípios, com o pedido de votação do projeto sobre a Lei Kandir. Costa Filho acredita que o projeto pode ser pautado em até 15 dias. Líder da bancada de Mato Grosso, o deputado e exministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT) disse que a regulamentação da compensação da Lei Kandir é uma demanda da bancada ruralista.

Maia, no entanto, negou que o projeto seja pautado em breve. Antes da crise aberta com o Executivo, ele disse que não tem como debater s “enquanto não vier sinal verde da equipe econômica”./ COLABORARAM IDIANA TOMAZELLI e EDUARDO RODRIGUES

Repasses

Aprovada em 1996, a Lei Kandir desonerou as exportações do ICMS. Em troca, previu que o União faria repasses a Estados e municípios para compensá-los

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Senadores devem aprovar engessamento de Orçamento.

Teo Cury

Naira Trindade

28/03/2019

 

 

Após ser derrotado na Câmara dos Deputados com a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que engessa ainda mais o Orçamento da União, hoje a tendência é que o governo também perca no Senado. O texto será apreciado na quartafeira, 3, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde começará a tramitar. Segundo aliados, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deve entregar a relatoria da matéria ao senador aliado Marcos Rogério (DEM-RO).

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse ontem que a PEC será votada no plenário logo após apreciação do colegiado:. “Havia pressão de alguns líderes para que a matéria pudesse ser analisada ainda hoje no plenário, mas prevaleceu o bom senso do apelo que fizemos para que primeiro fosse vista na CCJ, após a avaliação dos desdobramentos dessa decisão.”

Após entender a derrota, o Planalto deflagrou uma operação para derrubar a PEC no Senado. Qualquer alteração na redação do texto obriga a proposta a ser devolvida para Câmara e passar por nova tramitação nas comissões. Mesmo se for acelerado, o trâmite de uma PEC nas comissões ainda pode perdurar por dois meses, já que não existe urgência para emendas constitucionais.

Durante a votação na Câmara, os deputados disseram ter seguido orientação do governo para votar a favor. A aliados, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Felipe Francischini, disse ter perguntado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, qual o posicionamento do governo em relação à proposta. Disse ter ouvido dele que poderiam votar favorável, dando assim mais poder ao Parlamento.

Derrota. A Câmara aprovou a PEC na terça-feira, 26, em menos de duas horas. A proposta engessa parcela maior do Orçamento e torna obrigatório o pagamento de despesas hoje passíveis de adiamento, como emendas de bancadas estaduais e investimentos em obras. Por reduzir o poder do Executivo sobre gastos públicos, a decisão de terça tem sido vista como uma importante derrota para o governo na Câmara. “Não vejo como uma derrota. O processo político é um processo contínuo ”, discordou o senador Bezerra.

Os placares foram de 448 e 453 votos a favor, no primeiro e segundo turno respectivamente. Houve votos favoráveis inclusive do próprio PSL.

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PEC vai reduzir autonomia para investimentos

 

Douglas Gavras

28/03/2019

 

 

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), aprovada na terça-feira na Câmara, não aumenta as despesas públicas, mas reduz a autonomia de investimento do governo federal e tira o poder de barganha do Executivo, engessando ainda mais um Orçamento que já tem 93% de despesas obrigatórias, avaliam analistas ouvidos pelo Estado.

Se aprovada no Senado, a PEC vai dar maior controle dos gastos federais aos parlamentares, obrigando o pagamento de despesas para políticas públicas. O texto força o governo a executar emendas das bancadas estaduais, assim, os representantes podem destinar mais recursos para obras ou ações em suas bases eleitorais. A PEC precisa passar ainda pelo Senado.

Isso não quer dizer que a despesa vai aumentar, porque o teto de gastos impôs um limite, explica o economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). “Mas, nessa queda de braço, o Congresso ganhou mais poder e o Executivo perdeu a chance de barganhar com os parlamentares a aprovação de emendas.”

Quase 93% do Orçamento deste ano, de R$ 1,4 trilhão, é de despesas obrigatórias. O restante é para investimentos e o custeio da máquina pública. Com a PEC, o engessamento seria de 97%.

Borges lembra que os investimentos federais já estão no menor nível desde o início da série histórica. “Com os 3% do Orçamento que sobrariam ao governo, pouco poderia ser feito. Essa margem, é claro, poderia aumentar com a reforma da Previdência, que cortaria despesas.”

O ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento Raul Velloso avalia que, apesar de respeitar o teto, a aprovação da PEC passa um sinal negativo. “O governo deve reencontrar o caminho de negociação com o Congresso.”

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Estouro do teto de gastos pode chegar em 2020

 

Adriana Fernandes 

28/03/2019

 

 

 

Com os senadores prestes a votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento impositivo, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado alertou que o avanço do texto aprovado em dois turnos pela Câmara antecipa para 2020 o risco de descumprimento do teto de gastos ou de paralisação da máquina pública, o chamado “shutdown”.

Em nota técnica, preparada pela IFI ao longo do dia para subsidiar os senadores na votação e divulgada à noite, a IFI calcula que os gastos obrigatórios subiriam R$ 7,3 bilhões da proposta de 2020 a 2022. “Independentemente do caráter meritório das despesas executadas por meio de emendas parlamentares, a elevação dos gastos obrigatórios reduziria a margem fiscal da União e, na ausência de outras medidas, dificultaria ainda mais o cumprimento do teto de gastos nos próximos anos.”

Para a IFI, que tem o papel de mensurar o impacto dos eventos fiscais relevantes, o descumprimento do teto seria negativo do ponto de vista do reequilíbrio estrutural das contas públicas. Com a PEC, um volume elevado de despesas ganharia status obrigatório.

Na avaliação da IFI, tanto o descumprimento do teto e o “shutdown” seriam negativos para o quadro fiscal, ainda que, no primeiro, haja acionamento dos gatilhos da regra do teto.

A IFI calcula a margem fiscal – que é o espaço existente no Orçamento após a consideração dos gastos obrigatórios e das despesas discricionárias que têm “caráter obrigatório”, como os gastos mínimos em saúde e educação – em R$ 69,5 bilhões para 2021. Como os gastos mínimos necessários para funcionamento da máquina são estimados em R$ 75 a R$ 80 bilhões, a margem calculada para 2021 significaria descumprimento do teto ou “shutdown”.