O Estado de São Paulo, n. 45817, 28/03/2019. Economia, p. B10

 

Imposto menor de cigarro divide governo

Lígia Formenti

Adriana Fernandes

28/03/2019

 

 

Receita discorda do Ministério da Justiça sobre efeito da redução no contrabando; fabricantes também não têm consenso sobre a proposta

A determinação do Ministério da Justiça de instalar um grupo de trabalho para discutir a redução dos impostos sobre cigarros no País criou mal estar no governo e dividiu o setor produtivo. O grupo foi criado com a justificativa de tentar reduzir o contrabando e os riscos à saúde que estariam associados ao consumo de produtos teoricamente de menor qualidade.

A discussão é considerada como retrocesso por representantes da área de saúde e simplista por integrantes da Receita Federal. Há ainda a avaliação que o debate teria de ser feito pelo Ministério da Economia, que tem competência para fazer qualquer alteração nessa área.

Ontem, em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o senador José Serra, ex-ministro da Saúde no governo Fernando Henrique Cardos (FHC), disse ao ministro Sérgio Moro que a estratégia dele é “equivocada”. “Nos últimos anos, o número de fumantes caiu 46% no Brasil. Essa redução vem na contramão”, afirmou. Moro rebateu dizendo que a prioridade do grupo de estudo é a saúde.

Para representantes da área, a discussão traz um risco enorme de retrocesso, além de ser conceitualmente incorreta. “O contrabando de cigarros não é combatido com redução de impostos, mas com medidas de segurança. Não é uma questão fiscal, mas de combate à corrupção”, afirmou a secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro do Tabaco”, Tânia Cavalcante. Ela disse ainda não haver cigarro menos perigoso que outro. “Todos fazem mal da mesma forma. O que torna o cigarro contrabandeado pior é a facilidade de acesso para crianças e adolescentes devido ao seu baixo preço”.

Na Receita, a avaliação é de que uma redução de impostos teria alcance limitado para reduzir o contrabando. O maior argumento para isso é o baixo preço do maço no Paraguai, origem de boa parte do produto ilegal consumido no Brasil. Lá, cada pacote custa menos de R$ 1. Mesmo que se reduza a tributação e o preço do cigarro caia dos atuais R$ 5,5 para R$ 3, ainda assim não haveria como se neutralizar o atrativo do mercado ilegal.

Em nota, a Souza Cruz afirmou apoiar a revisão do modelo tributário que, segundo a empresa, favorece a comercialização de produtos ilegais. A Philip Morris tem outra avaliação. Também em nota, a empresa afirmou que o combate ao mercado ilegal não deveria passar por medidas que resultassem em redução de tributos e preços.

Retrocesso

‘O número de fumantes caiu 46% no Brasil. Essa redução vem na contramão’, afirmou o senador José Serra (PSDB-SP). Moro disse que a prioridade do grupo de estudo é a saúde

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Norte-Sul vai a leilão sob questionamentos jurídicos das regras

 

 

 

 

 

 

 

 

 

André Borges

Fabiana Holtz

Luciana Collet

28/03/2019

 

 

 

Ainda não concluída, ferrovia já custou cerca de R$ 17 bilhões e o lance mínimo fixado é de R$ 1,35 bilhão

O leilão da Ferrovia Norte-Sul está marcado para acontecer hoje, em meio a uma série de questionamentos jurídicos sobre as regras impostas pelo governo no edital da licitação.

O Brasil não concede uma ferrovia à iniciativa privada há 12 anos. Os 1.537 km de extensão da estrada de ferro que vão a leilão cortam a região central do Brasil. Começam no município de Porto Nacional, em Tocantins e avançam rumo sul do País, chegando a Estrela D’Oeste, no interior de São Paulo. O traçado, que está 98% concluído, custou ao governo cerca de R$ 17 bilhões. No leilão, será oferecido com lances a partir de R$ 1,35 bilhão.

Só duas empresas que já atuam há décadas nas ferrovias apresentaram propostas pelo trecho. A VLI, que tem a mineradora Vale como sócia, e a Rumo, ligada ao Grupo Cosan, são as únicas que devem disputam a Norte-Sul. São, também, as únicas que já controlam as extremidades da ferrovia que será concedida. A VLI atua desde 2007 no trecho norte, entre Palmas (TO) e Açailândia (MA), enquanto a Rumo controla o extremo sul, entre São Paulo e o porto de Santos.

O governo, a VLI e a Rumo negam qualquer tipo de favorecimento e alegam que as regras foram debatidas, são públicas e passaram pelo plenário do Tribunal de Contas da União.

Há, no entanto, uma série de divergências sobre o assunto. Ontem, o PDT informou que iria ao Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir que fossem incluídas regras no edital que permitissem o uso múltiplo da ferrovia por diferentes empresas, o chamado “direito de passagem”. A ação ordinária com pedido de liminar foi encampada pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO).

Na véspera do leilão, a Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente), que reúne associações de profissionais e usuários de ferrovias, também entrou com um mandado de segurança coletivo contra o leilão. Para o agronegócio, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público de Contas e indústrias do setor, as cláusulas do edital afastam novos concorrentes e privilegiam a continuidade dessas empresas nas operações, favorecendo o monopólio. Além disso, não prevêem nenhum transporte de passageiros, limitando-se a carregar cargas.

A estatal russa RZD, que tentou entrar no leilão, deixou claro que não participa do certame porque não encontrou segurança jurídica de que o direito de passagem foi respeitado. A VLI e a Rumo se negaram a assinar um acordo com o governo para permitir o direito de passagens nos trechos em que já atuam. Por isso, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) impôs regras sobre o assunto, de forma unilateral a esses contratos.

De Norte a Sul

1.537 km

é a extensão da estrada de ferro que vai de Porto Nacional, em Tocantins, até a Estrela D’Oeste, no interior de São Paulo

98%

é o porcentual do traçado da ferrovia que está concluído ao custo de cerca R$ 17 bilhões