O Estado de São Paulo, n. 45836, 16/04/2019. Política, p. A8

 

Moraes manda tirar reportagem do ar; entidades criticam

16/04/2019

 

 

 

 

Ministro vê ‘fake news’ em conteúdo veiculado por revista e site que cita presidente do STF, Dias Toffoli; decisão é considerada ‘censura’

 

CARLOS MOURA/SCO/STF–19/3/2019

Decisão. Ministro do STF Alexandre de Moraes diz que há ‘claro abuso’ em reportagem

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou à revista Crusoé e ao site O Antagonista que retirassem do ar a reportagem intitulada “O amigo do amigo de meu pai”, que cita o presidente da Corte, Dias Toffoli. Moraes ainda multou a revista em R$ 100 mil sob a justificativa de descumprimento da decisão, o que a Crusoé nega. A revista repudiou a decisão e denunciou o caso como “censura”. Entidades de imprensa também reagiram à ordem do ministro do Supremo.

“A Polícia Federal deverá intimar os responsáveis pelo site O Antagonista e pela Crusoé para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”, diz a decisão de Moraes. Segundo a revista, um oficial de Justiça entregou a ordem do ministro na redação na manhã de ontem.

O ministro cita na determinação o inquérito aberto por Toffoli em março, do qual é relator, para apurar “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.

O site informou que a reportagem tem como base um documento que consta dos autos da Operação Lava Jato. O empresário Marcelo Odebrecht encaminhou à Polícia Federal informações sobre codinomes citados nos e-mails apreendidos em seu computador, em que afirma que o apelido “amigo do amigo do meu pai” se refere a Toffoli.

A explicação do empreiteiro é relativa a e-mail de 13 de julho de 2007, época em que Toffoli ocupava o cargo de advogadogeral da União no governo Lula. As informações enviadas por Marcelo Odebrecht foram solicitadas pela PF e são parte do acordo de colaboração premiada firmado por ele com a Procuradoria-Geral da República. O delator está desde dezembro de 2017 em prisão domiciliar depois de passar cerca de dois anos presos em Curitiba.

Após a publicação da reportagem, Toffoli solicitou a Moraes “a devida apuração das mentiras recém-divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições”.

Na decisão, Moraes diz haver “claro abuso” no conteúdo da matéria veiculada na sexta-feira passada. “A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.”

Moraes mencionou ainda uma nota em que a Procuradoria diz não ter recebido, nem da força-tarefa da Lava Jato no Paraná nem do delegado que preside o inquérito, documento em que Marcelo Odebrecht afirma ser Toffoli o codinome “amigo do amigo de meu pai”. Segundo o ministro, “em resposta à nota emitida pela Procuradoria, O Antagonista reiterou o conteúdo da sua primeira publicação – o que agrava ainda mais a situação, trazendo, ao caso, contornos antidemocráticos”. Para Moraes o esclarecimento da Procuradoria “torna falsas as afirmações veiculadas na matéria, em típico exemplo de fake news, o que exige a intervenção do Poder Judiciário”.

O documento que cita Toffoli não pode ser mais visto no processo eletrônico da Justiça Federal – o material pode ter tido o sigilo elevado ou mesmo sido retirado a pedido. Nos autos constam um parecer do Ministério Público Federal e um despacho do juiz Luiz Antonio Bonat do dia 15, que também não podem ser acessados publicamente.

 

Repercussão. Pelo menos três ministros do STF reprovaram, reservadamente, a decisão de Moraes. A avaliação é de que a ordem para retirar do ar o conteúdo contraria entendimentos recentes da Corte sobre a liberdade de imprensa e abre margem para excessos.

Moraes não se manifestou, mas, a interlocutores, disse que não impôs censura. Segundo ele, liberdade de imprensa impede a censura prévia, mas não a responsabilização posterior. O ministro afirmou que a reportagem se baseou na Procuradoria-Geral, que a desmentiu.

A Crusoé afirmou, em nota, que a tentativa de “censurar a revista” é “ato de intimidação judicial”. “Nossos advogados entrarão com recurso ao colegiado do STF, para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa”, diz comunicado assinado pelo publisher da revista, Mario Sabino.

A Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) afirmaram que “a decisão configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados pelo STF”.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que a liberdade de imprensa se tornou “o primeiro alvo” do inquérito do STF contra fake news. “É grave acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir fake news. Mais grave ainda é se utilizar deste conceito vago para determinar supressão de conteúdo jornalístico.” Para a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a decisão “expõe o caráter autoritário de portaria do Supremo destituída de base legal”.

 

Rede vai ao Supremo

A Rede entrou com pedido no STF para derrubar a decisão de Moraes. “A Constituição prevê mecanismos de responsabilização em casos de violação decorrentes de notícias falaciosas”, diz o partido.