O Estado de São Paulo, n. 45832, 12/04/2019. Política, p. A4

 

Pacote de Bolsonaro reitera promessas de campanha

Renata Agostini

Vera Rosa

Tânia Monteiro

Julia Lindner

Rafael Moraes Moura

12/04/2019

 

 

Cem dias. Nove das 18 medidas anunciadas pelo governo estão Vinculadas ao programa eleitoral registrado no TSE na disputa de 2018; presidente fala em “céu de brigadeiro'

Cerimônia. Bolsonaro com ministros: apenas Paulo Guedes (Economia) e Santos Cruz (Secretaria de Governo), ambos no exterior, não compareceram

Em busca de fatos positivos para um início de mandato marcado por recuos, rusgas com o Congresso e demissão de dois ministros, o presidente Jair Bolsonaro transformou ontem a cerimônia de cem dias de governo num ato de lançamento de medidas e pôs para andar promessas apresentadas durante a campanha. Ladeado por ministros, Bolsonaro disse ver um “céu de brigadeiro” no horizonte e assinou 18 medidas, entre elas decretos e projetos de lei.

Com a estratégia, o Palácio do Planalto tentou encorpar sua lista de feitos e dar seguimento a temas bastante explorados pelo presidente na corrida eleitoral, como combate à corrupção, mudanças na legislação ambiental e autonomia do Banco Central. Além disso, a ideia foi mostrar que o governo dava um passo adiante e não apresentava um mero “balanço”, desviando o foco de metas não cumpridas.

Das 18 medidas anunciadas ontem, nove estão vinculadas, em linhas gerais ou mais especificamente, a questões levantadas no programa de governo apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a campanha. As propostas misturam ações de impacto em áreas sensíveis a atos menores ou com pouco efeito prático para a população.

O projeto de lei que prevê a autonomia do Banco Central, por exemplo, foi um dos primeiros compromissos firmados por Bolsonaro na área econômica e, se for aprovado no Congresso, representará mudança significativa no funcionamento da autoridade monetária. Ele também apresentou um projeto para regulamentar o ensino domiciliar, bandeira bastante defendida por seus apoiadores, especialmente os evangélicos.

Na lista das iniciativas anunciadas está, ainda, um “revogaço”, eliminando 250 decretos considerados sem eficácia ou com validade prejudicada, para simplificar a legislação (mais informações na pág. A6).

Sob o slogan “100 dias – 100% pelo Brasil”, o presidente assinou decretos com mudanças em áreas importantes, como os que versam sobre a Política Nacional de Drogas, a Política Nacional de Alfabetização e a Política Nacional de Turismo.

O programa Bolsa Atleta, que havia sido cortado pela metade no governo de Michel Temer, foi retomado. Ao lado dessas medidas de maior vulto aparecem atos como o decreto que muda a forma de tratamento no serviço público, retirando a exigência do uso de “Vossa Excelência” e “doutor”.

O porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, imprimiu tom de otimismo logo na abertura do evento ao afirmar que o governo bateu todas as 35 metas prioritárias divulgadas pela Casa Civil em janeiro. “Estamos todos de parabéns, não obstante ainda permanecermos em mar revolto”, observou.

Em breve pronunciamento, Bolsonaro disse que pergunta a Deus, de vez em quando, o que fez para estar na Presidência. Na semana passada, ele chegou a declarar que não nasceu para ser presidente, mas, sim, para ser militar. “O general portavoz diz que o mar está revolto, mas tenho certeza de que o céu está de brigadeiro”, argumentou ele, ontem. “A missão é difícil, mas, com vontade, determinação e Deus no coração, chegaremos a um porto seguro.”

Havia grande expectativa na cúpula do governo sobre a apresentação de resultados na cerimônia. Nas últimas semanas, os ministérios vinham sendo pressionados pelo Planalto a entregar ações concretas, como decretos, para que o presidente pudesse assinar, e não propostas vagas, como a criação de grupos de trabalho.

Bolsa Família. Comemorado por Bolsonaro nas redes sociais, o anúncio de maior peso, o 13.º do Bolsa Família, não entrou na contagem dos 18 atos. A ideia é enviar uma medida provisória ao Congresso, contendo o benefício, somente em outubro.

Apesar da celebração no discurso oficial, a análise das metas indica que algumas não foram cumpridas. A reestruturação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), por exemplo, engatinha. O aumento da cobertura para cinco vacinas não saiu do papel e a redução das tarifas do Mercosul está em negociação. “Tem coisas que não dependem só da gente. Dependem do Parlamento”, resumiu o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “Há muitos compromissos a cumprir e ainda nem abordamos as privatizações.”

O secretário executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, minimizou os percalços. “Estamos fazendo arranjos naturais de começo de governo”, disse ele, que representou o ministro Paulo Guedes, ontem cumprindo agenda nos Estados Unidos. “Temos vários desafios, como privatizar e entregar um Estado mais leve para o cidadão.” / RENATA AGOSTINI, VERA ROSA, TÂNIA MONTEIRO, JULIA LINDNER e RAFAEL MORAES MOURA

‘Revogaço’

Entre as normas que perderam efeito, está o decreto nº 5.039, de novembro de 1903. De Rodrigues Alves, que foi conselheiro do Império, aprovava “novas instrucções para o exame dos candidatos a segundo secretario”.

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Projetos desconexos tentam vencer impressão de paralisia

Vera Magalhães

12/04/2019

 

 

O que fica do discurso de pouco mais de quatro minutos de Jair Bolsonaro na solenidade de lançamento de um pacote desconexo que junta medidas importantes e outras irrelevantes por ocasião dos cem dias de governo é a frase do presidente de que sua administração navega em “céu de brigadeiro”. Trata-se de uma boa dose de desconexão da realidade que marcou os três meses inaugurais de seu mandato. O empacotamento de medidas tão díspares, no entanto, trai as palavras do presidente e evidencia uma ansiedade generalizada de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas bestas e inexperiência da equipe – a começar do comandante.

Entre as medidas relevantes estão o projeto que dá autonomia ao Banco Central, o acordo de cessão onerosa com a Petrobrás, a uniformização de regras para nomeações de dirigentes de bancos públicos com as exigências que já vigoram para instituições privadas e o “revogaço” que vai limpar a burocracia estatal de uma série de normas já caducas.

São importantes porque estão em linha com promessas de campanha de destravar a economia, dando-lhe uma diretriz liberal, e porque sinalizam o caminho de profissionalizar a gestão pública.

Há aquelas medidas-pegadinha, que querem afetar grande importância quando não têm a mínima. Nesse rol estão a extinção de cargos que já estavam vazios e de conselhos criados pelo assembleísmo petista que estavam desativados e – ao contrário do que podem pensar os bolsonaristas iludidos – não implicavam jetom para os integrantes.

Há ainda as medidas que são meros “calhaus”, jargão jornalístico para uma notícia ou anúncio que você encaixa para tapar buraco numa página. Nesse grupo estão coisas exóticas como a uniformização do domínio “.gov” nos sites oficiais e a mudança na forma de tratamento nas comunicações oficiais. E existem, por fim, anúncios que têm de ser analisados melhor porque podem significar retrocessos, como a lei que institui o ensino domiciliar, que deve gerar controvérsia com o STF, e a conversão de multas ambientais, que pode virar senha para um vale-tudo na área.

O fato é que a grande medida que se espera do governo são as reformas estruturantes. Bolsonaro falou na Previdência e prometeu empenho – que, diga-se, vem dedicando em doses maiores nas últimas semanas. Mas urge profissionalizar o acompanhamento de votos na Câmara dos Deputados, planilhando os apoios, monitorando as bancadas e se antecipando às tentativas, que virão, de desidratar o texto. A reforma, por ora, não navega em mar de brigadeiro. Ou o governo volta sua energia para colocar a proposta em marcha de uma vez ou não haverá pacote que ajude a melhorar a avaliação periclitante que Bolsonaro tenta negar.