Título: De volta do exterior, susto com os preços
Autor: Franco , Pedro Rocha
Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2012, Economia, p. 14

Nos últimos dois anos, a renda média dos trabalhadores aumentou quase 9% acima da inflação, a despeito de todos os estragos provocados pela crise mundial. Não à toa, ao contrário do mundo desenvolvido, onde o desemprego leva a população a apertar o cinto, aqui o consumo avança a passos largos. Nesse quadro confortável, indústria e comércio não se intimidam em reajustar os preços. O raciocínio é um só: sentindo-se mais ricos, os brasileiros aceitam pagar o que for para satisfazer suas necessidades e, claro, garantir status. Não questionam, mesmo que saibam que estão desembolsando muito além da conta. O resultado disso é uma carestia desenfreada. A ponto de uma embalagem de pão de forma custar R$ 4,99 em Brasília, quase o dobro dos R$ 2,10 dispendidos pelos australianos.

Inebriados pelos bons ventos que ainda sopram na economia brasileira, mesmo num cenário global complicadíssimo, são poucos os que se dão conta do quanto estão metendo a mão em seu bolso. Mas basta uma viagem rápida para fora do país para um choque de realidade. Ao comparar os preços no exterior com os mesmos produtos vendidos aqui é possível ter a certeza de que o Brasil está — e muito — caro. Ou seja, os exageros não se restringem aos carros, cujos valores em terras nacionais viraram motivo de piada mundial.

O webdesigner Octávio Amuchástegui não esconde o seu espanto. Quando decidiu trocar Barcelona, na Espanha, por Belo Horizonte em busca de um emprego melhor, não imaginava que, mesmo no caso de produtos que considera básicos, como queijo e cereais, a diferença de preços fosse tão grande. "Realmente, não consigo entender como a população brasileira está suportando a carestia", diz. No seu entender, quando se trata de bens de consumo de alto valor, como automóvel e smartphone, somente os mais ricos podem se dar ao luxo de comprá-los sem um excesso de endividamento.

"Na Espanha, apesar de todas as dificuldades econômicas, o consumo de bens básicos e de maior luxo é possível para quase todo mundo, mesmo que se faça um pouco mais de esforço. No Brasil, infelizmente, não", diz Octávio. Ele ressalta, porém, que vai insistir em morar no país, devido às boas oportunidades de trabalho. Somente nos oito primeiros meses do ano, foram criadas mais de 1 milhão de vagas com carteira assinada. Na Espanha, que sofre há anos com uma grave recessão, o desemprego passa de 24% da população. Entre os jovens, chega a 50%.

Câmbio O professor de economia Mauro Rochlin, da Fundação Getulio Vargas (FGV), dá uma justificativa importante para explicar tanta diferença de preços. A seu ver, o Brasil se tornou mais caro nos últimos anos por causa do impacto de um peso pesado: o câmbio. Pelas suas contas, nos últimos 18 anos, o real se fortaleceu em relação ao dólar, deixando os valores cobrados aqui muito próximos ou maiores do que em outros países. Para ele, o efeito câmbio chega a ser mais forte que o chamado custo Brasil, que envolve infraestrutura e carga tributária. "O real valorizado encarece tudo o que é fabricado no país. Por isso, inclusive, os produtos brasileiros perderam competitividade no mercado internacional", ressalta.

Os números são impressionantes. De uma lista de 10 produtos que podem ser encontrados nas gôndolas de supermercados de cidades dos cinco continentes, nem o leite é mais barato no Brasil (veja quadro), ainda que haja fartura do produto. No caso da gasolina, o valor do litro está no grupo dos países que têm os menores valores. Mas aí há o interesse do governo. Para não impactar a inflação e permitir ao Banco Central continuar cortando os juros, o Palácio do Planalto impede que a Petrobras reajuste o combustível.

O professor e músico Luiz Hosken acaba de retornar a Lisboa, depois de uma temporada de cinco meses no Brasil. Ele conta que ficou espantado com os preços dos alimentos, independentemente de o país ser um dos maiores produtores de comida do planeta. "Estamos pagando em capitais do Sudeste preços que se comparam a cidades europeias mais caras", reclama. Queixa semelhante tem Danusa Carvalho. Ela acaba de voltar para Milão, na Itália, onde mora e trabalha, depois de um período de férias em Minas Gerais. "Não fiz uma pesquisa sistemática de preços, mas tive a sensação de que tudo no Brasil está muito caro, até as frutas. Brasil barato é coisa do passado", garante.

Impostos O advogado tributarista e presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), João Elói Olenike, considera a carestia do Brasil um reflexo de uma série de variáveis, entre as quais, a tributação — de longe, a principal vilã. Ele afirma que o fato de o país concentrar seus impostos no consumo, e não na renda e no patrimônio, tem como consequência o acúmulo de repetidos tributos em um mesmo item. "Nos Estados Unidos e na Europa, se tem o Imposto sobre Valor Agregado. Só se paga tributo sobre valor agregado da riqueza", afirma.

Na visão de Olenike, a solução para se corrigir as distorções passa pela modificação da legislação tributária, com o foco dos impostos indo para o lucro e o patrimônio. Atualmente, afirma ele, existem dois impostos para tributar o patrimônio: o IPVA e o IPTU, que, respectivamente, incidem sobre veículos e imóveis. "Se eu vendo um produto, não significa que vou ter lucro. É preciso considerar os custos de produção. Agora, se eu formo um patrimônio, é porque estou ganhando dinheiro", argumenta o tributarista.

» Buenos Aires

O Correio fez um levantamento de preços de produtos consumidos no dia a dia por pessoas de qualquer nacionalidade. A pesquisa mostrou que Buenos Aires e Lisboa são as cidades com boa parte de produtos com preços semelhantes ou inferiores aos de Brasília e Belo Horizonte. Na cidade vizinha sulamericana, que vem sofrendo com a inflação, pão de forma, cereais, batata frita e gasolina estão com valores menos salgados.