O globo, n. 31345, 02/06/2019. País, p. 4
Assessores atípicos
Juliana Dal Piva
02/06/2019
Com salário, sem crachá e longe da Alerj
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) empregou nove parentes de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, no período em que foi deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A maioria deles vive em Resende, no Sul do estado do Rio e todos tiveram o sigilo fiscal e bancário quebrado por decisão do Tribunal de Justiça do Rio.
Nas últimas semanas, O GLOBO apurou que ao menos quatro deles têm dificuldades para comprovar que, de fato, assessoraram Flávio. Em Resende, o vendedor aposentado José Procópio Valle e Maria José de Siqueira e Silva, pai e tia de Ana Cristina, , jamais tiveram crachá funcional da Alerj. Ele ficou lotado cinco anos e ela, nove. Apesar de ter nascido em Resende, a cidade não é reduto eleitoral de Flávio. Ele também não possui escritório político lá. Já a irmã Andrea Siqueira Valle e o primo Francisco Diniz constaram como funcionários por mais de uma década e só há registro de crachá para o ano de 2017. Diniz é o que ficou mais tempo lotado, um total de 14 anos.
Durante esse tempo, ele cursou a faculdade de veterinária, em período integral, em Barra Mansa, também no Sul do estado. Andrea é conhecida por participar de concursos de fisiculturismo. Segundo pessoas que a conheceram na academia em Resende, ela chega a malhar três vezes ao dia. Desde o fim do ano passado, ela mora em Guarapari (ES), onde se sustenta fazendo faxinas, apesar de ter recebido salários de até R$ 7,3 mil por pelo menos quatro anos. O grupo de familiares é alvo da investigação que apura a prática de “rachadinha” no gabinete, devido às movimentações atípicas, em um total de R$ 1,2 milhão, de Fabrício Queiroz, outro ex-assessor.
Andrea Siqueira Valle, rotina de malhação e faxinas
Quem conhece Andrea agora não imagina que, até agosto de 2018, ela tinha um salário bruto de R$ 7.326,64, além de receber um auxílio educação de R$ 1.193,36. Ela esteve lotada no gabinete de Flávio Bolsonaro desde 2008, sendo que, por nove anos, jamais teve identificação funcional.
Apenas em 2017 foi pedido um crachá da Alerj em seu nome. Nesse período, ela sempre viveu em Resende, na casa dos fundos dos pais. Na cidade, Eliane Montaglione, dona da Academia Physical Form, disse que, no passado,ela era conhecida por participar de concursos de fisiculturismo e malhar várias vezes ao dia. O GLOBO apurou que Andrea trabalhava com faxina para residências.
—Ela malhava duas, até três vezes ao dia. Lembro que em época de concurso ela malhava mais. —contou Eliane. Questionada se soube que ela trabalhava na Alerj, Eliane demonstrou surpresa:
—Nossa, nunca soube. Atualmente, em Guarapari, as dificuldades financeiras de Andrea não são segredo. A três quadras de casa, ela malha na academia Sports Center. A proprietária Renata Mendes contou que tem permitido que ela use a academia de graça como meio de patrocínio e diz que a contratou para faxinas.
— Ela também me ajudou com faxina na academia. Ela faz esse tipo de serviço aqui na academia. — contou Renata.
— A filha dela já foi morar com o pai, para poder ajudar ela também — afirmou Renata.
A única lembrança de uma pessoa próxima da família sobre a vida política de Andrea é vê-la distribuindo santinhos em período eleitoral.
Francisco Diniz, o assessor que fez faculdade integral de veterinária
Dois anos depois, em 2005, ele começou a cursar a faculdade de Medicina Veterinária no Centro Universitário de Barra Mansa, cidade a 140 quilômetros do Rio e próxima a Resende. Dalila Fernanda Manduca cursou faculdade junto com Diniz e contou ao GLOBO que ele frequentava as aulas e se formou com ela. A faculdade era integral, as aulas ocupavam manhã e tarde. A turma concluiu o curso no fim de 2008 e Diniz se formou. Em 2016, o primo de Ana Cristina também apareceu em uma foto da equipe H.G.VET Comércio de Produtos Agropecuários e Veterinários.
A empresa, com sede na cidade paulista de Cruzeiro, confirmou que Diniz trabalhou lá por um período, mas não quis detalhar por quantos anos. Diniz chegou a ganhar um salário bruto de R$ 7.326,64, com direito ainda a auxílio-educação de R$ 1.052,34. Ele só foi exonerado em fevereiro de 2017. Apesar de estar lotado por 14 anos, somente em 2017, quando ele só constou como funcionário por dois meses, é que foi pedido um crachá funcional da Alerj para ele. Procurado pelo GLOBO, Diniz disse que trabalhou para Flávio Bolsonaro, mas não recordava por quanto tempo.
— Trabalhei, sim. Não lembro de cabeça (o tempo)—disse ele, por telefone. Ao ser questionado como trabalhava quando estava na faculdade em Barra Mansa, desligou o telefone.
Professora foi lotada por nove anos e nunca teve identificação
— Ela nunca saiu daqui para trabalhar fora não — contou a ex-vizinha.
Maria José se aposentou em 2012, logo depois da exoneração no gabinete de Flávio. Procurada, Maria José disse que não iria se pronunciar.
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