O Estado de São Paulo, n. 45830, 10/04/2019. Espaço aberto, p. A3

 

Cem dias sem MEC, mas a educação não parou

Priscila Cruz

12/04/2019

 

 

Após o fiasco do agora ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, uma mudança de rumo na pasta da Educação é consenso no debate público brasileiro. A sociedade espera uma gestão pragmática, capaz de avançar uma agenda informada pelas evidências e experiências educacionais de êxito. Um plano que dê continuidade às políticas importantes e também introduza medidas estruturantes para tornar viável o necessário salto de qualidade. Aguardamos, assim, as ações do novo ministro, Abraham Weintraub. Que ele se concentre no que deve ser a sua principal missão: melhorar a aprendizagem dos nossos estudantes da educação básica.

Tal foco é primordial, uma vez que a educação básica é um verdadeiro cipoal de responsabilidades, envolvendo União, Estados e municípios; Executivo, Legislativo, sistema de Justiça; governo, sociedade e iniciativa privada. Sem falar nas famílias, nas comunidades, nos gestores, professores e alunos, que fazem a educação “acontecer”. Dada essa intrincada trama, se o sistema educacional estiver desorganizado, os resultados das políticas públicas para melhoria da aprendizagem custam a chegar – isso quando chegam – às escolas. Embora não tenha a atribuição de gerir redes de escolas (responsabilidade dos Estados e municípios), quem organiza, dá rumo e ritmo às políticas educacionais é o Ministério da Educação (MEC). É aí que está, portanto, a razão da importância estratégica da pasta em qualquer governo que queira deixar um legado ao desenvolvimento do Brasil.

Apesar dessa relevância, estamos há cem dias sem Ministério da Educação. Nesse período de vácuo, outras instituições não ficaram paradas e o Todos Pela Educação tem apoiado algumas delas, entre as quais está o Congresso Nacional. A Casa já retomou o avanço de pautas importantes, como a discussão sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e a instituição de um Sistema Nacional de Educação (SNE). Ademais, neste 100.º dia de governo será lançada

uma nova Frente Parlamentar Mista da Educação. Organizada em dez comissões temáticas, a frente tratará de assuntos centrais para o ensino básico, como os dois citados, e também a valorização dos profissionais da educação, primeira infância e educação infantil e ensino médio e ensino técnico e profissional. Apoiada em trabalhos técnicos de organizações como o Todos Pela Educação, a iniciativa fará o controle das ações do Executivo e proposições de encaminhamentos legais.

Como a discussão do novo Fundeb não avançava no MEC, e pela óbvia relação desse instrumento com o Orçamento, o Ministério da Economia tomou para si a tarefa de produzir uma tomada de posição do Executivo federal. Para auxiliá-lo vêm sendo feitas apresentações de estudos e propostas organizadas por diversas instituições, como o Banco Mundial, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Todos Pela Educação e o Insper, entre outros. Por sua vez, o Conselho Nacional de Educação (CNE) está dedicado a outro assunto inadiável: a construção de referenciais nacionais da atuação docente. Em linha com as mais bem-sucedidas experiências internacionais, o documento trará as competências profissionais essenciais a uma boa prática pedagógica, servindo de base para a construção de novos currículos de formação de professores e para induzir maior coerência e articulação entre as diversas políticas voltadas para a carreira docente.

Nos Estados e municípios, as organizações representativas também têm tomado a frente em temáticas educacionais prioritárias. O Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), com base nos temas da iniciativa suprapartidária Educação Já! (coordenada pelo Todos Pela Educação em 2018), produziu um documento de prioridades para o MEC e para a estruturação de grupos de trabalho. Por sua vez, os secretários municipais de Educação, organizados pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), vêm realizando encontros para a troca de experiências sobre a implementação da Base Nacional Comum Curricular, a melhoria da alfabetização na idade certa e a oferta de educação infantil de qualidade. Tópicos semelhantes também estão na pauta da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A instituição anunciou ontem, na XXII Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, um acordo com o Todos Pela Educação para a produção e disseminação de conhecimento técnico e informações sobre mecanismos de financiamento e Fundeb, Sistema Nacional de Educação (SNE), educação infantil e primeira infância. O tema aparece ainda em ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem promovido estudos para encontrar alternativas à judicialização excessiva na disputa por vagas em creches.

A sociedade civil também não está parada. Há enorme movimentação para apoiar uma agenda com foco nas pautas centrais da educação. No Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) vem sendo amadurecida a articulação entre as organizações do terceiro setor educacional a fim de aumentar a cooperação e o impacto coletivo; com seu importante trabalho de advocacy, o Movimento pela Base Nacional Comum Curricular segue assegurando as fundamentais conquistas dos últimos anos; já a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) e o movimento RenovaBR vêm realizando formações para os parlamentares (de variados partidos), apoiados por diversas instituições, entre elas, o Todos Pela Educação.

Trocando em miúdos: se o MEC parou, a educação, não. Ainda há tempo para a pasta assumir o seu papel central na promoção de melhorias na educação básica. Do contrário, perderá, pela primeira vez na História do Brasil democrático, o protagonismo nas políticas educacionais.