O Estado de São Paulo, n. 45829, 09/04/2019. Política, p. A4

 

Economista crítico do 'marxismo' vai para o MEC

Renata Cafardo

Renata Agostini

Mariana Haubert

09/04/2019

 

 

Executivo. Sem experiência anterior na área e com discurso atrelado ao de ‘guru’ de bolsonaristas, Abraham Weintraub ocupará lugar de Vélez; especialistas criticam escolha

Escolhido. Bolsonaro ao lado de Abraham Weintraub durante evento em março passado

Depois do anúncio de medidas polêmicas, recuos e duas dezenas de exonerações, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Ele escolheu para o seu lugar um nome com influência no governo, o então n.º 2 da Casa Civil, Abraham Weintraub. Economista com experiência em empresas privadas, foi alçado ao cargo como uma solução para os problemas de gestão da pasta. A indicação, no entanto, preocupa especialistas. Como Vélez, o novo ministro nunca trabalhou com políticas educacionais e mantém discurso ideológico atrelado ao escritor Olavo de Carvalho, com críticas ao chamado “marxismo cultural”.

Ao Estado, Weintraub disse que fará uma gestão técnica, o que não significa que trabalhará desconectado das convicções do governo Bolsonaro, que tem “uma ideologia clara”. “Minha missão é cumprir o que foi escrito no programa de governo de forma serena, tranquila e eficiente, de forma a gerar bem-estar ao cidadão.” Ele vai gerenciar uma pasta com orçamento de R$ 130 bilhões e que foi praticamente paralisada pela crise atual.

A escolha frustrou a ala militar do governo que tentava emplacar um nome para compor com o atual secretário executivo do MEC, o brigadeiro Ricardo Machado Vieira. Ele foi colocado no cargo para tentar resolver as disputas internas entre os seguidores de Olavo, o grupo técnico ligado ao governo de São Paulo e os militares. Segundo o Estado apurou, Vieira não deve continuar no cargo.

Weintraub é professor licenciado do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no câmpus de Osasco. Antes, havia trabalhado 18 de seus 47 anos no Banco Votorantim, onde foi de officeboy a diretor. Demitido, seguiu para a Quest Corretora. Ele e o irmão, Arthur, apoiaram Bolsonaro e ficaram próximos de Onyx Lorenzoni desde antes da campanha. Foram responsáveis por pensar a reforma da Previdência na equipe de transição. Depois, Abraham se tornou secretário executivo da Casa Civil e Arthur foi para o Ministério da Economia .

O nome de Weintraub para o MEC foi apresentado a Bolsonaro durante a viagem a Israel. Segundo uma fonte próxima ao presidente, pesou na decisão a disposição de Weintraub de “dobrar a aposta feita por Vélez e enfrentar os problemas morais e ideológicos na educação”. O presidente determinou a Weintraub que afaste quadros remanescentes da ala militar no ministério e restabeleça nomes ligados a Olavo, relatou essa fonte. Bolsonaro espera, assim, que o novo ministro siga com a agenda já iniciada na pasta, que inclui a priorização do método fônico na alfabetização e o enfraquecimento da Base Nacional Comum Curricular e do Conselho Nacional de Educação.

Weintraub foi investigado pela Unifesp por uso do logotipo da instituição em trabalhos de consultoria. A sindicância foi arquivada em 2018. O novo ministro se diz perseguido, o que motivou até um pedido do então deputado Onyx para uma audiência na Câmara. Ele queria que a reitoria da Unifesp explicasse “denúncias de agressões, ameaças e perseguições de natureza política” a Abraham e Arthur, também professor da instituição. Os dois entraram em conflito com estudantes depois que passaram a participar da equipe de Bolsonaro. A audiência acabou não sendo realizada.

‘Adaptação’. O economista defende que é preciso vencer o chamado “marxismo cultural” das universidades a partir dos ensinamentos de Olavo, guru do bolsonarismo. Em reuniões com equipes do MEC, já na Casa Civil, dizia que as universidades mantêm a esquerda viva e alimentam a oposição a Bolsonaro.

Na Cúpula Conservadora das Américas, evento organizado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ele disse que os militantes de direita deveriam adaptar as teorias de Olavo para vencer embates teóricos com a esquerda. “A gente adaptou a teoria do Olavo de como enfrentar eles no debate intelectual.”

Ontem, ao ser questionado sobre o escritor, o ex-aluno disse ter grande admiração pelo professor. “Ele tem ideias muito boas, mas não sigo ipsis litteris tudo o que ele fala. Não é porque gosto de música clássica que não escute rock and roll de vez em quando.” Olavo comemorou a indicação de Weintraub nas redes sociais.

Surpresa. Analistas ficaram surpresos com a indicação, mais uma vez, de um desconhecido do meio para o ministério. “Depois de quase 100 dias de um MEC inoperante, havia expectativa de que o governo tivesse aprendido e colocasse alguém com experiência em gestão pública e com clareza das políticas para melhorar a qualidade de ensino”, disse a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz.

“Quero acreditar que ele sabe que o maior problema é o que as crianças aprendem nas escolas. E que o lado ideológico não ponha a perder o que é realmente importante”, afirmou a presidente do conselho do Instituto Península, Ana Maria Diniz. Para o presidente da Associação de Docentes da Unifesp, Daniel Feldman, que foi colega de Weintraub, a perseguição a professores tem uma “lógica inquisitória” e “pode levar à destruição da universidade”. “Nem uma aula minha nem do atual ministro jamais estarão isentas de pressupostos teóricos, reflexivos e intelectuais, que nunca podem ser ‘neutros’”, afirmou.

A crise no MEC se intensificou depois que o Estado revelou e-mail de Vélez em que pedia para as escolas do País lerem o slogan da campanha de Bolsonaro e filmarem as crianças cantando o Hino Nacional. Ele teve de recuar. Ontem, no Twitter, Vélez agradeceu a “oportunidade” e disse que confiava na decisão de Bolsonaro.

‘Missão’

“Minha missão é cumprir o que foi escrito no programa de governo de forma serena, tranquila e eficiente, de forma a gerar bem-estar ao cidadão. Esse é o objetivo do Estado, que existe para servir ao cidadão.

‘Inoperância

Depois de quase 100 dias de um MEC inoperante, havia expectativa de que o governo tivesse aprendido e colocasse alguém com experiência em gestão pública e com clareza das políticas para melhorar a qualidade de ensino”.

Priscila Cruz

PRESIDENTE DO TODOS

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'É triste, é difcil mandar alguém embora', diz Bolsonaro sobre Vélez

Carla Bridi

09/04/2019

 

 

Em entrevista, Bolsonaro atribui decisão de tirar filósofo do comando do Ministério da Educação à ‘questão de gestão’

No mesmo dia em que anunciou a demissão do filósofo Ricardo Vélez Rodríguez do Ministério da Educação, o presidente Jair Bolsonaro disse nesta segunda-feira, 8, que outros ministros também podem perder seus cargos, em caso “de problemas”. “Os outros ministérios, se apresentarem problemas, a gente toma a decisão. É triste, é difícil mandar alguém embora. A responsabilidade é minha”, disse ele, em entrevista à Rádio Jovem Pan.

Bolsonaro disse que a demissão de Vélez se deveu a uma “questão da gestão”. “Lamentavelmente o ministro não tinha essa expertise com ele.” Essa é a segunda baixa de um ministro do governo Bolsonaro, que está completando a marca dos 100 dias de administração. O primeiro a sair foi Gustavo Bebianno, que ocupava a Secretaria-Geral da Presidência.

Ainda durante a entrevista, o presidente falou sobre indicações para compor cargos de segundo escalão na administração pública. Bolsonaro tem sido criticado por setores no Congresso, que reclamam de falta de espaço no governo. “Se eles (ministros) aceitarem qualquer indicação do primeiro escalão deles, eles são responsáveis por isso. Nós cobramos produtividade no final da linha”, afirmou Bolsonaro, endossando que não há, da parte dele, indicações para cargos em ministérios. “Segundo escalão é responsabilidade de cada ministro. (Em outros governos) Nenhum (dos ministros) teve essa liberdade até hoje.”

Carlos. Também durante a entrevista, o presidente rebateu os ataques feitos a um de seus filhos, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC). Para Bolsonaro, Carlos “até deveria ter um cargo de ministro”. “Ele que me botou aqui, a mídia dele”, disse o presidente, referindo-se à gestão feita por Carlos de seus perfis nas redes sociais durante a campanha eleitoral. Entretanto, segundo o presidente, Carlos não estaria “pleiteando um cargo de ministro”. “Poderia botá-lo”, reafirmou.

Bolsonaro afirmou ainda que apoiaria o fim da reeleição para o Executivo em uma eventual proposta de reforma política. “A pressão é muito forte para que eu, se estiver muito bem, obviamente, me candidatar (em 2022). Mas (durante a campanha) era minha pretensão (acabar com reeleição) vindo dentro de uma reforma política, que não depende de mim, o próprio Parlamento pode resolver esse assunto se quiser”, respondeu ele.