O globo, n. 31352, 09/06/2019. País, p. 4

 

Das vendas à política

Henrique Gomes Batista

09/06/2019

 

 

Grupo de empresários cria frente parlamentar e dribla lobby tradicional do setor

Criado em 2018 para dar suporte à tentativa de Flávio Rocha, dono da varejista Riachuelo, de se candidatar à Presidência, um grupo de 300 empresários está se institucionalizando com o objetivo declarado de assumir um maior protagonismo político e furar os canais tradicionais de lobby empresarial hoje comandados por entidades de classe.

Em um movimento turbinado pela crise política que afeta os partidos, eles organizaram uma frente com adesão de 209 parlamentares no Congresso, falam em apresentar projetos em áreas como a tributária e até a segurança pública e eleger representantes nas eleições municipais de 2020. E, em 2022, até um candidato próprio ao Palácio do Planalto. O Brasil 200, que nas próximas semanas vai virar um instituto, é encabeçado por empresários oriundos de grupos do varejo, como Havan, Polishop, Bio Ritmo, Centauro e Gocil Segurança. No total, as empresas associadas geram, segundo os organizadores, 300 mil empregos diretos e, juntas, têm faturamento estimado em R$ 40 bilhões.

—Queremos ser um think tank (centro de estudos) de produção de política pública, com o diferencial de ter um braço político forte, ter uma atuação ativa em Brasília para que as nossas pautas avancem —afirmou Gabriel Kanner, que trocou a função no grupo Riachuelo, que é de sua família, para presidir o Instituto Brasil 200. Os empresários do Brasil 200, com algumas exceções, sempre tiveram dificuldades de ter um papel de maior relevância em grandes entidades do setor privado. Representantes de organizações como as federações das indústrias de São Paulo e do Rio (Firjan e Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), até então vistas como os canais oficiais entre o setor privado e o público, não escondem o estranhamento em relação ao movimento. Para dirigentes ouvidos pelo GLOBO, uma atuação política mais agressiva e escancarada desagrada a grande parte do empresariado, acostumado, até hoje, a uma articulação de bastidor. O movimento foi criado para pensar como o Brasil estará em 2022, quando se completam 200 anos da independência.

Guedes no lançamento

Marco Aurélio Nogueira, professor de ciência política da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), diz, no entanto, ser natural o aparecimento de grupos empresariais como o Brasil 200 e de outras forças da sociedade a partir do que ele chama de falência dos partidos políticos tradicionais.

Ele lembra que esse fenômeno já vinha sendo sentido. Uma prova disso foi a criação, em 2018, do Renova BR, grupo de formação de líderes políticos criado pelo empresário Eduardo Mufarrej. Outra é a criação do Partido Novo pelo executivo do ramo financeiro, João Amoêdo, que candidatou-se à eleição presidencial e foi o quinto mais votado. Nogueira acredita que isso pode levar a uma maior participação de empresários diretamente na política, disputando cargos eletivos. Em sua opinião, esse fenômeno é global e levou ao poder figuras como Donald Trump, nos EUA, e Silvio Berlusconi, na Itália.

— Ainda não sabemos se esses grupos vão evoluir desta maneira, mas vemos que cada vez mais os empresários “terceirizam” menos a representação política —afirmou o professor. O Brasil 200 quer chegar a mil empresas filiadas. O orçamento da nova entidade ainda está sendo finalizado, mas a estrutura será mantida com as mensalidades das empresas e pessoas físicas —no caso das últimas, a partir de R$ 30. Os executivos não quiseram revelar quanto pretendem desembolsar com o instituto.

Com um perfil claramente liberal na economia e conservador nos costumes, o instituto terá sedes em São Paulo e Brasília e filiais em outros 23 estados. A inauguração está prevista para 1º de julho com uma festa em São Paulo onde é esperada a participação de Paulo Guedes, ministro da Economia. Embora apoie a agenda de reformas do governo de Jair Bolsonaro e algumas de suas propostas como o decreto de flexibilização do porte de armas, o Brasil 200 se qualifica como independente: eles não têm compromisso de dar

suporte ao governo, mas entrarão em campo quando as pautas forem semelhantes. Esse apoio ao governo gerou o primeiro grande questionamento sobre a linha adotada pelo movimento: enquanto Luciano Hang, da Havan, defendia o apoio às manifestações pró-governo de 26 de maio, Flávio Rocha era contrário. Com a redução das pautas antissistema das manifestações, o Brasil 200 liberou seus associados — ea maior parte foi às ruas. Em 16 de abril, o grupo oficializou, na Câmara dos

Deputados, a formação da Frente Parlamentar Mista Brasil 200, coordenada por Joice Hasselmann (PSLSP), líder do governo no Congresso. Segundo Kanner, a ideia é ter reuniões periódicas com essa frente, que reúne 199 deputados e dez senadores signatários. —Há muitas frentes que só existem no papel ou quando vão votar algo muito específico. Essa é diferente, ela está muito ativa, acredito que será um importante ambiente de debates — afirmou o deputado Vinicius Poit (NovoSP), um dos mais ativos do movimento.

O grupo também deixa claro que trabalhará para eleger uma grande leva de prefeitos e vereadores no próximo ano. Candidatos apoiados pelo grupo teriam uma espécie de selo do movimento, e suas plataformas seriam divulgadas pelas redes sociais do Brasil 200.

—Acredito que estaremos bastante fortes em 2022. Estaremos bem posicionado e é possível que tenhamos um candidato a presidente — disse Kanner.

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O público, o privado e os presidentes

09/06/2019

 

 

O aumento da atuação direta de empresários na política coincide com a crise dos partidos, fim das doações empresariais e de uma postura adotada pela atual gestão no Planalto de maior distanciamento em relação ao empresariado, segundo especialistas.

Desde a posse, o presidente Jair Bolsonaro recebeu, de acordo com a agenda oficial, apenas 13 empresários e dois líderes setoriais. Em igual período em 2015, Dilma Rousseff havia recebido o dobro de empresários —a maior parte presidentes mundiais de multinacionais. Já Bolsonaro se reuniu mais com representantes nacionais e líderes de companhias de menor porte. O ex-presidente Luiz

Inácio Lula da Silva se autointitulava um “caixeiro-viajante” e, em muitas de suas viagens para o exterior, seguia com uma dezenas de empresários. Em uma emblemática visita à China, em 2004, 232 empresários participaram da comitiva.

Criado por Lula e mantido por Dilma e Michel Temer, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como Conselhão, reunia os presidentes das principais empresas do país. No mandato de Dilma, estavam lá os dirigentes de BRFoods, CSN, Braskem, TAM, Fiat-Chrysler, WEG, Amil, Google, Embraer, CVC, Grupo Objetivo, Coteminas, Copersucar, Magazine Luiza, Vale, Bradesco, Itaú-Unibanco e Stefannini, entre outros. Da mesma forma, Fernando Henrique tinha importante interlocução com os grandes nomes do meio empresarial. Danilo Limoeiro, doutor em ciência política pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) com uma tese sobre as raízes política do Custo Brasil, diz que é essencial regulamentar o lobby no Brasil para que o país tenha mais clareza da pressão de grupos econômicos na política.

—Os empresários brasileiros tradicionalmente apenas atuavam em pautas específicas, para seu setor ou para a economia. Na minha tese aponto que os empresários mais engajados na política eram justamente os que conseguiam mais sucesso, se tornavam mais competitivos com benefícios públicos e intensificavam ainda mais a atuação política, em um ciclo —avalia Limoeiro.